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A dupla ruptura afetiva com o memorial de 1968...
Duras implicara o gesto teórico nas práticas hegemônicas
derrubadas pelo engajamento das mulheres no movimento de
68. Mas ela acusa o recurso heteronormativo à teorização, o que
contribuiu, de acordo com ela, a destruir o acontecimento. Em
1973, Duras escrevia sobre a conduta dos homens militantes
intelectuais em maio 68 palavras duras:
“O homem deve apreender a parar de ser um imbecil teórico. […]
O homem deve apreender a se calar. […] Não há tempo para viver
um acontecimento considerável como maio 68 antes que o homem
já fala, passa ao epílogo teórico e quebra o silêncio. […] É ele que
retomou a palavra, falando sozinho e para todos, em nome de
todos, como ele diz. Logo, ele silenciou as mulheres, os loucos,
prosseguindo pelo idioma antigo e atraindo a prática teórica antiga
para dizer, contar, explicar, aquele fato novo: maio de 68. Ele se
tornou polícia teórica, e aquele barulho silencioso, enorme, que
surgia da multidão – o silêncio aqui é justamente a soma da voz
de todos, equivalente à soma da nossa respiração coletiva – ele a
amordaçou. […] Não houve silêncio após maio de 68.” 10
No caso de Duras, o acontecimento proporciona no romance
Destruir diz ela o que será lido como uma escritura singular e
exclusivamente de uma mulher. Ela fará do silêncio o espaço
do erotismo da mulher. A ruptura acontecimental apresenta-
da por maio 68 ao olhar de Duras, encaminha o ato de se dar
um novo nome e redefinir a mulher além da sua identidade. A
repressão do silêncio desejada pelos militantes hegemônicos
nunca chegava à fixação identitária, o que implicara um deslo-
camento do primeiro acontecimento em outro. Destruir diz ela
é seu caminho da floresta, a clareira do ser que se transfigura no
silêncio erótico do espaçamento entre e nas mulheres.
*
10 Marguerite Duras e Xavière Gauthier, Les Parleuses. Paris : Éditions de Minuit, 1974.
p. 245. (Extraido de um depoimento feito para o livro de Suzane Horer e Jeanne
Socquet, La Création étouffée. Paris: Éd. Pierre Horay, 1973).
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