(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 74

A dupla ruptura afetiva com o memorial de 1968... Duras implicara o gesto teórico nas práticas hegemônicas derrubadas pelo engajamento das mulheres no movimento de 68. Mas ela acusa o recurso heteronormativo à teorização, o que contribuiu, de acordo com ela, a destruir o acontecimento. Em 1973, Duras escrevia sobre a conduta dos homens militantes intelectuais em maio 68 palavras duras: “O homem deve apreender a parar de ser um imbecil teórico. […] O homem deve apreender a se calar. […] Não há tempo para viver um acontecimento considerável como maio 68 antes que o homem já fala, passa ao epílogo teórico e quebra o silêncio. […] É ele que retomou a palavra, falando sozinho e para todos, em nome de todos, como ele diz. Logo, ele silenciou as mulheres, os loucos, prosseguindo pelo idioma antigo e atraindo a prática teórica antiga para dizer, contar, explicar, aquele fato novo: maio de 68. Ele se tornou polícia teórica, e aquele barulho silencioso, enorme, que surgia da multidão – o silêncio aqui é justamente a soma da voz de todos, equivalente à soma da nossa respiração coletiva – ele a amordaçou. […] Não houve silêncio após maio de 68.” 10 No caso de Duras, o acontecimento proporciona no romance Destruir diz ela o que será lido como uma escritura singular e exclusivamente de uma mulher. Ela fará do silêncio o espaço do erotismo da mulher. A ruptura acontecimental apresenta- da por maio 68 ao olhar de Duras, encaminha o ato de se dar um novo nome e redefinir a mulher além da sua identidade. A repressão do silêncio desejada pelos militantes hegemônicos nunca chegava à fixação identitária, o que implicara um deslo- camento do primeiro acontecimento em outro. Destruir diz ela é seu caminho da floresta, a clareira do ser que se transfigura no silêncio erótico do espaçamento entre e nas mulheres. * 10 Marguerite Duras e Xavière Gauthier, Les Parleuses. Paris : Éditions de Minuit, 1974. p. 245. (Extraido de um depoimento feito para o livro de Suzane Horer e Jeanne Socquet, La Création étouffée. Paris: Éd. Pierre Horay, 1973). 73