(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 72

A dupla ruptura afetiva com o memorial de 1968... Hocquenghem sofrera a marginalização durante os aconteci- mentos em razão da sua homossexualidade, ainda considerada na época um crime pelo código do direito penal na França e uma psicopatologia pela psiquiatria francesa. Por isso, a militância de Hocquenghem terá um caráter contestatória contra o pró- prio movimento de maio. No mês de março de 1972 o reputado periódico Recherches, publicou no número 12, “Três bilhões de pervertidos: uma enciclopédia de homossexualidades.” O núme- ro da revista foi apreendido por ordem judicial e Félix Guattari, seu organizador, recebeu uma multa de 600 francos por infração contra a decência pública. O número de Recherches foi ajuizado por constituir uma “demonstração de torpeza e de aberração sexual”, e “a exibição libidinosa por parte de uma minoria de pervertidos.” 9 Todos os exemplares receberam ordem judicial a serem destruídos. O que seguiu maio é um conjunto de reivindicações pouco relatadas nas narrativas sobre a época. Trata-se do movimento gay, feminista, trans e de imigrantes, as contraculturas. Seu líder não é Daniel Cohn-Bendit, mas Guy Hocquenghem. A questão permanece a seguinte: apesar do caráter acontecimental de 68, até que ponto 68 produziu uma arte realmente politizada? Ti- veram os cartazes e os filmes de Godard, mas Godard mesmo falava que ninguém na indústria cinematográfica falava do mo- vimento operário. Nenhuma arte operária surgiu de 68. Por mais que os anos vermelhos seguiram aos anos de 1970, a arte e o cinema tomaram um curso contrário. Maio de 68 não apenas reestruturou a arte que exalta a cultura burguesa (por exemplo, Dernier Tango a Paris), mas abriu uma linha explicitamente reacionária (Lacombe Lucien de Louis Malle). Por isso é preciso defender que maio de 68 é um acontecimento artístico apenas para a arte burguesa. Surge então, como problema, o cinema de Marguerite Duras. Raramente associado hoje ao maio-junho francês, o percurso de Duras num momento de intensa criação cinematográfica 9 71 HOCQUENGHEM, 2010.