(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 71
Norman Roland Madarasz
mesmo tempo, decretar que maio de 68 se esvaziou é nitida-
mente incoerente. São três as formas em que a relação entre os
acontecimentos e as formas sociais podem ser conceitualizadas.
(1) Se a explicação fora principalmente pela causa, então maio de
68 encaminhou o neoliberalismo e sua estética da eterna juventu-
de, pretexto de divisão social a longo termo, mas que passa menos
pela luta de classes que pela briga entre os egos.
(2) Se fora pela ideia que o acontecimento age na história de for-
ma descontínua, então maio de 68 encaminhou, eventualmente,
a configuração contracultural das raves propulsada pela música
eletrônica negra, sobretudo o House e o Techno originados em
Detroit, assim como a arte digital.
(3) Mas se a explicação fora pela negação da sua potência causal,
então maio de 68 proporcionou aquilo que não faz parte dele,
aquilo que foi efetivamente marginalizado e silenciado durante os
acontecimentos, mas que se tornará o Movimento pela Libertação
das Mulheres (MLF), a Frente Homossexual de Ação Revolucio-
naria (FHAR) e a voz dos imigrantes, ou a expressão das minorias
étnico-religiosas no contexto pós-colonial de uma França em prol
à mão de obra importada.
Na luta deles a manter vivo o espírito de maio se encontrava
frequentemente o que o filósofo e escritor Guy Hocquenghem
denominava “os limites do pessoal de esquerda” quando estes
se transformaram em “hetero-policiais”. No seu livro, Le Désir
homossexual (O Desejo homossexual), publicado em 1972, Ho-
cquenghem já expressava a suspeição de que “é possível que a
política revolucionária seja ela mesma uma instância repressiva”,
se se nega de reconhecer que ao lado dos investimentos cons-
cientes da política, existem também os investimentos libidinais
inconscientes. 8 Sabe-se o quanto a análise do inconsciente se
tornara o foco das preocupações de Castoriadis, Lyotard, Iri-
garay, Gauchet, et al., no decorrer dos anos 1970.
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HOCQUENGHEM, 1972.