(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 45
Kelvin Falcão Klein
gênese, síntese ou resolução. A polifonia apresenta a linguagem
como meio opaco, não-transparente, aberto à transformação;
cada voz do conjunto polifônico apreende e atualiza o projeto
geral dos romances não em suas totalidades, mas em suas capa-
cidades de refração e proliferação.
A polifonia no romance de Bolaño, portanto, é tanto uma
cristalização literária do procedimento duchampiano de espiral
quanto um aprofundamento – no nível da escritura – da crítica
de Perniola à totalização da subjetividade situacionista. A rela-
ção de Bolaño e sua obra com o Maio de 68, contudo, pode ser
aprofundada, uma vez que é o próprio autor quem explora as
ressonâncias desse evento na vida latino-americana imediata-
mente posterior, com especial ênfase nas experiências chilena e
mexicana. No caso do Chile, o sentimento de mudança parece
alcançar uma forma madura com a eleição de Salvador Allende
em 1970, somente para retornar a uma situação ainda pior com
o golpe de 11 de setembro de 1973. No caso do México, contudo,
todo o percurso se condensa no ano de 1968 - “não queremos
Olimpíadas, queremos revolução”, gritaram os estudantes me-
xicanos a partir de julho desse ano, até que em 02 de outubro
acontece o Massacre de Tlatelolco, quando a polícia e o Exército
disparam contra a multidão na Cidade do México.
Bolaño trata da questão em uma novela escrita em 1998 e
publicada no ano seguinte, Amuleto. Conta a história de uma
poetisa uruguaia, Auxilio Lacouture, “mãe de todos os poetas
latino-americanos”, como ela se define. “E assim cheguei ao
ano 1968. Ou o ano 1968 chegou a mim”, diz ela, e continua:
“Eu agora poderia dizer que o pressenti. Eu agora poderia dizer
que tive um pressentimento feroz e que não me pegou despre-
venida” 16 . “Eu estava na Universidade naquele 18 de setembro
quando o exército violou a autonomia e entrou no campus para
prender ou matar todo mundo. Não. Na universidade não foram
muitos mortos. Foi em Tlatelolco. Que esse nome fique em nossa
memória para sempre! Mas eu estava na universidade quanto o
16 BOLAÑO, Roberto. Amuleto. Barcelona: Anagrama, 1999. p. 27.
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