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Maio de 68 e a literatura
Os detetives selvagens é um romance composto de três partes:
a primeira, “Mexicanos perdidos no México (1975)”, é o início
do diário de Juan García Madero, jovem poeta mexicano que
vai aos poucos fazendo seu caminho no movimento literário
liderado por Belano e Lima, o “realismo visceral”; a segunda,
“Os detetives selvagens (1976-1996)”, consiste de uma série de
depoimentos e entrevistas realizados ao longo de 20 anos, tendo
como foco não muito rigoroso o destino do realismo visceral,
de seus líderes e da viagem que realizaram em busca de infor-
mações sobre Cesárea Tinajero, misteriosa e obscura poetisa
mexicana; a terceira e última, “Os desertos de Sonora (1976)”,
apresenta o resto do diário de García Madero, e trata da viagem
em busca de detalhes da vida e da obra de Tinajero. Os vários de-
poimentos reunidos na segunda parte são organizados de forma
cronológica, de 1976 a 1996, mas são regularmente interrom-
pidos por um depoimento mais longo, de Amadeo Salvatierra,
na “rua República de Venezuela, perto do Palácio da Inquisição,
México, DF, janeiro de 1976” 14 . Essa interrupção da cronologia
progressiva que ocorre no aspecto formal — esse ponto e essa
voz de 1976 que retornam continuamente — é reforçada pela
própria dinâmica dos depoimentos, que são digressivos, fazendo
referências a eventos e personagens não necessariamente atre-
lados ao seu título identificatório — como, por exemplo, “Hugo
Montero, bebendo cerveja no bar La Mala Senda, rua Pensador
Mexicano, DF, maio de 1982”, “Xosé Lendoiro, Terme di Traiano,
Roma, outubro de 1992”, ou “Susana Puig, rua Josep Tarradellas,
Calella de Mar, Catalunha, junho de 1994” 15 .
A variação de vozes no romance de Bolaño — e a variação de
interesses e perspectivas no interior dessas vozes — impede qual-
quer retenção definitiva de sentido e, consequentemente, impede
qualquer resumo totalizador da trama. Cada voz que surge faz de
si o centro do romance, contribuindo, portanto, para a dissolução
da ideia de centro e suas correlatas — como simetria, estrutura,
14 BOLAÑO, Roberto. Os detetives selvagens. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2006. p. 145.
15 Idem. p. 340, 440, 476.
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