(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 43
Kelvin Falcão Klein
tido, porque é essa espiral que permite tanto um afastamento do
centro quanto uma visitação constante das margens. Ou seja, o
evento inicial é sempre revisitado a cada final de ciclo, mas com
uma intensificação do estranhamento e da desfamiliarização
oferecidas pela equivalente revisitação das margens. O transe
erótico da espiral é uma via de escape ao automatismo da so-
ciedade do espetáculo, para dizê-lo com Debord.
Meu objetivo aqui, portanto, é o de posicionar o Maio de
68 no centro da espiral e observar o que acontece com sua cir-
culação ritmada. Um primeiro ciclo se completa com o que já
foi mencionado a respeito de Enrique Vila-Matas e seu próprio
deslocamento da margem Barcelona para o centro Paris, bem
como das margens temporais 1974 e 2003 (as datas que regulam
o romance Paris não tem fim) em relação ao centro 1968. Am-
pliando o alcance da espiral, quero chegar ao escritor chileno
Roberto Bolaño (nascido em 1953 e falecido precocemente em
2003) e seu romance Os detetives selvagens, de 1998.
Os detetives selvagens é o primeiro romance de grande porte
do autor, que já havia publicado algumas novelas — como A
pista de gelo e Estrela distante —, algumas coletâneas de poemas
e um livro de contos — Chamadas telefônicas. Além desses,
publica em 1996 um livro de difícil classificação, A literatura
nazi na América, espécie de coleção de perfis biográficos, orga-
nizados como verbetes de um dicionário cujo mote seria certa
filiação nazifascista dos escritores. Todos os livros de Bolaño
compartilham de um mesmo universo, de um mesmo conjun-
to de referências e vivências. Bolaño faz da convivência entre
escritores tema para sua escritura, e seus livros são interligados
por eventos e personagens: Estrela distante surge da amplia-
ção de um dos verbetes de A literatura nazi; A pista de gelo dá
início a um procedimento de divisão da narração em vozes e
perspectivas que será expandido em Os detetives selvagens; Amu-
leto, novela que Bolaño publica em 1999, desenvolve uma per-
sonagem apresentada também em Os detetives; Arturo Belano
e Ulises Lima, personagens principais de Os detetives selvagens,
são mencionados em outros contos e novelas.
42