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Maio de 68 e a literatura
pou-se quase tão rapidamente quanto havia surgido, dando ao
movimento esse caráter fugidio e sobrevoante que seria utilizado
também na descrição da figura de Beckett lendo o jornal.
Nessa perspectiva, Duchamp antecipa e cultiva uma série de
estratégias fundamentais para o Maio de 68, estratégias que per-
manecem em circulação, ao menos na literatura, depois de sua
morte e do próprio ano de 1968. No que diz respeito à tendência
situacionista de totalização da subjetividade artística, o próprio
movimento espontâneo de ocupação do espaço urbano em 68
parece um antídoto eficaz. Faço referência aqui à ocupação grá-
fica, semiótica, discursiva que se deu com as várias mensagens
nos muros, pois aí se dá a emergência da literatura do maio de
68. São essas inscrições que ao mesmo tempo materializam o
Maio de 68 e garantem seu sobrevoo posterior pelo tempo e pelo
espaço, inseridas agora em uma espécie de “onda mnêmica” que
dissemina ditos, escritos, gestos, ritos ou, para continuar usando
os termos de Aby Warburg, “fórmulas de pathos”, cristalizações
provisórias de forças amorfas, como são as inscrições 12 .
Em 1926, Duchamp e Man Ray, com a ajuda do câmera Marc
Allégret, desenvolveram um pequeno filme, o Anémic cinéma,
cinema anêmico, uma animação de sete minutos de nove tro-
cadilhos em francês, arranjados, letra por letra, numa forma
espiralada, sobre discos pretos que foram, em seguida, colados
em discos de fonógrafos; os textos iam girando vagarosamente,
alternando com tomadas dos Discos com espirais de Duchamp,
dez desenhos abstratos que, ao girar, dão a impressão de mo-
ver-se para trás e para frente num ritmo erótico 13 . Tenho a im-
pressão de que a engenhoca de Duchamp e Man Ray pode servir
também para colocar em movimento as inscrições do Maio de
68, muitas delas trocadilhos com ritmo erótico como aqueles
encontrados em Anémic cinéma. O movimento espiralado e
encantatório do filme de Duchamp, contudo, precisa ser man-
12 GINZBURG, Carlo. Medo, reverência, terror. Trad. Federico Carotti. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2014. p. 7-8.
13 TOMKINS, Calvin. Duchamp: uma biografia. Trad. Maria Teresa de Resende Costa.
São Paulo: Cosac Naify, 2004. p. 299.
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