(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 40

Maio de 68 e a literatura contradições autoimpostas, aporias e vias sem saída. “No momento de maior refluxo do movimento revolucionário”, escreve Perniola, “uma só organização não é jamais a totalidade, não detém nunca o monopólio da consciência e do significado. Tal monopólio é justamente uma característica da arte, a qual por isso mesmo é a outra face da realidade sem consciência, da economia enfim. Cessar de crer-se uma totalidade é, portanto, o primeiro passo em direção à superação definitiva da arte: passo que os situacionistas jamais conseguiram dar” 6 . Perniola também fala de um “hiperfuturismo revolucioná- rio” típico dos situacionistas, preocupado em “superar aquilo que não existe ainda” 7 , uma espécie de performance sem objeto ou especificidade, como Vila-Matas com seu cachimbo e óculos falsos. Por fim, comentando a atuação imediata dos situacionis- tas no Maio de 68, Perniola aponta como problema central a “impossibilidade de conciliar a subjetividade artística implícita na I.S. enquanto seita que possui a totalidade” “com o projeto de organização de conselho, cuja prática deve conter já a expe- riência da democracia direta” 8 . Minha hipótese é a de que Vila-Matas ultrapassa tais im- possibilidades e contradições com o acréscimo de um novo elemento, que corre em paralelo a todas essas derivas, por vezes atravessando-as. Esse novo elemento é a obra e a figura de Marcel Duchamp, que coincidentemente falece em 1968, 02 de outubro de 1968. Um ready made como “Ela tem fogo no rabo”, por exemplo, que é uma tradução possível para as iniciais escritas abaixo – L H O O Q –, já em 1919, ano de sua confecção, propõe uma disseminação, uma dissolução da subjetividade artística, já bastante distante de qualquer noção de totalidade. Diga-se aqui entre parênteses que o ready made de Duchamp é já um exemplo do que Debord chamará détournement, que é “o contrário da citação” como define Perniola, “o meio mediante o 6 7 8 39 PERNIOLA, Mario. Os situacionistas. Trad. Julliana Torres. SP: Annablume, 2009. p. 40. Idem. p. 110. Idem. p. 111.