(COM)POSSIBILIDADES:OS 50 ANOS DO MAIO DE 68 com-possibilidades_os_50_anos_do_maio_de_68 | Page 39
Kelvin Falcão Klein
e dos outros, de 1982-83, dedicado ao artigo de Kant: “grande
parte da sua atividade teórica consistiu em publicar artigos, re-
senhas, intervenções, em certo número de revistas […] a relação
entre o escritor e o leitor […] no século XVIII não passava tanto
pela Universidade, […] e sim muito mais por essas formas de
expressão que eram ao mesmo tempo formas de comunidades
intelectuais, constituídas pelas revistas e pelas sociedades ou
academias que publicavam essas revistas” 4 .
Beckett, na descrição de Vila-Matas, parecia “desesperado”,
“entre absorto e ausente”, bastante distante, portanto, da ilumi-
nação e do esclarecimento. Nesse ponto, a resistência de Beckett
diante do jornal não pode menos que evocar a resistência à
sociedade do espetáculo, tão afim ao espírito do Maio de 68. A
aproximação é corroborada pelo texto de Vila-Matas: “falando
de política”, escreve ele ainda no livro sobre Paris, “devo dizer
que um mês depois de tomar posse de meu quarto minhas ideias
de estudante espanhol antifranquista já tinham mudado e eu
havia passado a ser de esquerda radical dura, da linha situacio-
nista, com Guy Debord como mestre. Sob a influência das ideias
situacionistas, com meu cachimbo e meus óculos falsos, come-
cei a passear pelo bairro convertido no protótipo do intelectual
poético e secretamente revolucionário. Mas na verdade eu era
situacionista sem ter lido uma linha sequer de Guy Debord. Eu
não exercia, me dedicava a me sentir de esquerda e ponto” 5 .
É preciso notar que escrevendo em 2003, revisitando um
período que vai de 1974 a 1976, e usando de muita ironia e
“liberdade romanesca”, digamos assim, Vila-Matas apresenta
uma perspectiva que é, em certos pontos, bastante análoga à
crítica que faz o filósofo Mario Perniola em seu livro dedicado
ao movimento situacionista de Debord e outros. Em linhas
gerais, é possível dizer que Perniola encontra na Internacional
Situacionista, que operou de 1957 a 1969, uma série de
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FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros: curso no Collège de France (1982-
1983). Trad. Eduardo Brandão. SP: WMF Martins Fontes, 2010. p. 8-9.
VILA-MATAS, Enrique. París no se acaba nunca. Barcelona: Anagrama, 2007. p. 49.
Tradução minha.