Carta do Povo | Página 4

4 Carta do povo São Paulo, quinta-feira, 22 de novembro de 2018 democracia. A Constituição de 88 foi muito progressista, até protecionista demais no que diz respeito aos direitos sociais, mas foi importante, pois foi um efeito rebote ao que a Ditadura fez. Infelizmente os grupos políticos que assumiram o Pós-Ditadura no Brasil, em primeiro lugar o PT, que quebrou a ética, chafurdaram na bandidagem, na corrupção, e transformaram nosso país numa lambança desacreditada pela grande massa. Nós não alcançamos o patamar de justiça social que poderíamos ter alcançado. O Brasil é um país hoje de joelhos diante do capital financeiro. Sem autonomia, sem tecnologia de ponta, tudo o que a gente faz é importado, e na verdade, no fundo, no fundo, o país se transformou numa grande fazenda exportadora de boi e soja. Isso me dá muita angústia, muita indignação, até de certa forma revolta, pela oportunidade que foi perdida no Brasil. Eu sempre combati isso, desde a redemocratização. Então, eu acho que não é o final da história, mas esse meio de campo que nós estamos vivendo me faz pensar se valeu a pena quase ter perdido a vida na luta contra a Ditadura pra ganhar a democracia. A resposta é: Sim, valeu a pena. Eu tenho essa convicção, mas as vezes me bate um remorso de pensar como é que nós permitimos que o Brasil tomasse esse rumo na construção da democracia. CP: Há, ainda hoje, uma pequena – ou não tão pequena assim – parcela da população que se mostra saudosista com relação ao período militar brasileiro. Apesar deste período ter sido classificado como uma Ditadura e ser repreendido por diversos setores, porque o senhor acha que essas pessoas clamam pela volta dos militares no poder? GN: A Direita sempre existiu e sempre vai existir. Na verdade é assim: A “esquerda” brasileira — que eu coloco entre aspas, por que o PT, na minha opinião, não é esquerda, é um arremedo de esquerda, mas que no fundo tem uma prática extremamente de direita — fez tanta safadeza, errou tanto, prometeu ao povo o céu e entregou o purgatório infernizado, que deu margem pra que esses grupos que são saudosos à Ditadura, tanto os mal intencionados, quanto gente mais nova que nem sabe muito bem como foi aquilo, se unissem em propostas conversadoras e saudosistas do tempo do regime militar. Quando eu conto para as pessoas o que o Ustra fez comigo, por que eu não voto no Bolsonaro, aliás, eu não voto nem no Haddad e nem no Bolsonaro… Enfim, quando eu conto isso, mesmo para as pessoas mais conservadoras, elas param e pensam. Em sã consciência, um homem que defende um regime de tortura, ele não é bom da cabeça. O fascista fanático é louco. Como é que você vai defender um ser humano amarrar o outro? Prender o outro e bater até matar? Então, quem defende a Ditadura, não sabe o que está falando. Mas, enfim, existiu e existe isso porque a esquerda brasileira, capitaneada pelo PT, fez tanta safadeza que abriu o caminho para esses grupos se reorganizarem. “A responsabilidade disso é do Lula, do PT e dos grupos que estão em volta.” CP: Há formas combater este tipo de de pensamento, de modo que ele não mais seja colocado em pauta? Quais são? GN: É só você reunir um grupo — algo que não estamos conseguindo fazer hoje, pois cada um foi ser candidato da sua parte, dividiu-se todo o bom senso brasileiro, sendo pulverizado em várias candidaturas — e reconstruir o processo, reconstruir uma proposta de país que não seja nem a loucura pseudo- revolucionária do Lula/Haddad e nem a loucura troglodita e torturadora do Bolsonaro. Ou seja, no meio disso, ter um conjunto de ideias que defendam a democracia, que defendam a justiça social, o desenvolvimento sustentável, a participação popular, combatam a homofobia, combatam a violência contra a mulher, combatam esse armamentismo que o Brasil entrou, combatam o crime organizado… essa proposta de centro combate o fato do Brasil, economicamente, estar na mão de quatro bancos, estar na mão de um oligopólio do sistema financeiro onde 8 homens detêm a riqueza de 100 milhões de patrícios nossos. Nenhum país sobrevive assim. Ou seja, o centro democrático que deveria fazer a proposta se dividiu. A grande tarefa de reorganização no país é essa, de realinhar as forças que são democráticas, que defendem a ética na política e defendem o desenvolvimento sustentável no Brasil. Como foi tarefa nossa na Ditadura, mobilizando a nação pra derrubar o arbítrio, a tarefa hoje é mobilizar a nação pra sair desses dois polos ridículos. O “rouba mas faz” não pode voltar. Tem que ter alguém que faça sem roubar. Eu acho que é possível isolar essas coisas. CP: Não podemos deixar de citar, dentro deste contexto, a figura do Bolsonaro. Como uma figura dessa, que defende práticas recrudescedoras, ganha tanta força? GN: O Bolsonaro é uma figura menor da história do Brasil. Nunca foi nada. Ele ficou no Congresso sete mandatos e não tem nada que ele fez a não ser defender o autoritarismo e a figura do Carlos Alberto Brilhante Ustra, que é um assassino, é uma monstruosidade da natureza. Esse é o Bolsonaro. Ele é um nulo. O que é que ele soube fazer? Ele soube capitalizar pra ele as ideias conservadoras daqueles que defendem o conservadorismo do ponto de vista ideológico e, além disso, ele capitou um grande número de brasileiros absolutamente indignados, insatisfeitos e revoltados com a postura do PT. Então, por isso, ele é humanamente menor. Tá entendendo? Ele é depositário disso. Uma figura completamente pernóstica. Só dele admirar um torturador como Ustra, pra mim ele não tem valor nenhum. “O Bolsonaro é uma figura menor. Ele defende práticas e condutas que, do ponto de vista do humanismo, são absolutamente inaceitáveis. ” CP: Você foi presidente da Comissão da Verdade. É seguro dizer que todos os casos e inquéritos foram liquidados, ou há arestas a serem aparadas? E ainda: Vocês receberam mais