Campo Prático, caso do Idoso - afeto. 1 | Page 14

Para onde vão nossos silêncios quando deixamos de dizer o que sentimos?

Falar de memória é, antes de mais nada, falar em marcas, impressões, inscrições, fixadas e justapostas no tempo. O homem desde os primórdios de seu desenvolvimento intelectual buscou formas de fixação no tempo. E é com naturalidade que faz uso de uma gama ilimitada de recursos simbólicos para sua expressão e inscrição no mundo através da linguagem: escrita, falada, artística. É neste caráter transmissor que a comunicação entre subjetividades faz circular as memórias e configura um sentido de filiação e pertencimento no compartilhamento de memórias e identidades de grupos. É a partir de um processo permeado pela consciência individual que a pessoa seleciona, descarta, atualiza, ou recalca lembranças que num conjunto de experiências acumulativas constituem o indivíduo que vive e se percebe como parte de uma história da qual ele também é um personagem. É neste contexto conceitual de memória e identidade como parte de um conjunto mais amplo e compartilhado que se situa a importância da escuta e do compartilhamento entre idosos (BEZERRA; LEBEDEFF, 2012).

Para Candau (2011; pp.118), “Transmitir uma memória e fazer viver, assim, uma identidade não consiste, portanto, em apenas legar algo, e sim uma maneira de estar no mundo.” Ou seja, tanto a transmissão de saberes, quanto a experiência registrada na memória a partir de memórias cumulativas são constitutivos da identidade da pessoa e sem tais memórias ou sem o ato de compartilhamento não haveria identidade.

Tedesco (2011) afirma, ainda, que a socialização ocorrida cotidianamente, a partir da comunicação, e a narração como forma artesanal de comunicação, atualizam a memória e possibilitam uma representação da vida das pessoas, ou seja, geram novas imagens a partir do presente.

Para Bosi (2009) a função do idoso poderia ser comparada a de guardião do tesouro espiritual da comunidade, porta voz da tradição, pois através da memória dos velhos pode-se ter contato com uma riqueza e uma diversidade que não se conhece. Esse contato possibilita, nas palavras da autora, a humanização do presente.

O idoso que mantém uma relação afetiva com familiares e amigos apresenta maior qualidade de vida na fase de envelhecimento e permanece com autonomia no âmbito familiar, apresentando comportamentos e sentimentos positivos como: alegria, satisfação, conforto, segurança, carinho, dentre outros (Wilkinson, Kiata, Peri, Robinson, & Kerse, 2012).

Percebeu-se a necessidade de acolhimento e afeto, essa era a leitura instalada naquela realidade, naquele mundo, naquele espaço. Onde os significados de comensalidades se reconfiguraram a todo o momento.

Idosos cuja relação com os familiares é marcada por dificuldades e conflitos tendem a vivenciar sentimentos e emoções negativas, como: solidão, baixa auto-estima, insegurança, apatia, isolamento social e perda de motivação, mesmo convivendo em seu domicílio e com pessoas próximas. Idosos que não recebem apoio familiar, e os que sofrem com a perda do companheiro, mantêm relações interpessoais prejudicadas e são acometidos de comorbidades, sendo mais propensos a apresentar sentimentos negativos, tais como: a perda da autonomia, a sensação de inutilidade, acarretando-lhes desconfortos emocionais, podendo acentuar um processo de limitação social e comportamental dessa pessoa idosa (Guedes, M.H.M., Guedes, H.M., & Almeida, 2011).

Era preciso dar abraço, o conforto através de significados que fossem reais para eles, dentro da realidade deles. Era necessário criar esse espaço onde eles pudessem sentir o tempo parando por um minuto, o tempo levando no tempo e voltando a uma realidade que de alguma forma trouxesse amparo e valorização. Que sua utilidade fosse percebida e sua dignidade estabelecida.