A Clava #1 (Out-Nov, 2018) | Page 3

tual, tornar-se opaco. Em eras anteriores, em que a sociedade estava disposta hierarquicamente e ar- ranjada verticalmente, é provável que o campo hoje chamado “Política” tenha sido de fato o das solu- ções efetivas. Hoje, quando, subvertido, regido por leis demônicas, leis do demos, das plebes espirituais sublevadas, adentrá-lo é poluir-se, contaminar-se e ser neutralizado; a imundície que escapou dos in- fernos pelas frestas outrora ocultas nos recônditos dos vales turva qualquer luz que dos picos tragamos pura. A “Política” institucional só poderia ser acessória e apêndice de uma ação como a nossa. Contudo, sabemos que o elemento de força sobrenatural que em eras anteriores sustentou todo o edifício político e toda ação política é indelével e perene. É chama que queima acima do tempo. É ela que buscamos nos picos da nossa ação interior e invisível, para que em sua posse incendiemos os vales. É preciso que o homem volte a ser uma ponte, um vínculo entre Mundo e o Supra-Mundo, é preciso “agir no centro”, onde as raízes da Ação e da Contemplação se fundem e revelam-se uma só. O conhecimento nos é caro, indispensável, a própria matéria-prima que, no entanto, ao contrário do homem atual, processamos em silêncio meditativo, deixando-o agir sozinho em seu tempo, criar raí- zes nas camadas internas e mais profundas de nosso ser. Como a semente tem seu próprio tempo para desabrochar e prefere fazê-lo à revelia dos olhares atenciosos do jardineiro, assim é o conhecimento, que gosta de desabrochar não tanto ao meio-dia, hora da semeadura, mas na noite da consciência. O conhecimento deve se tornar parte de nós – ou não é conhecimento; ele desabrocha em direção ao céu – ou é daninho e natimorto. Somente o conhecimento vivo pode vir a ser Sabedoria. A academia, tomada hoje completamente pelos agentes subversivos, parece incapaz de contemplar um conhecimento desta natureza, fundamental e transcendente. Como se não bastasse a cegueira metafísica historicamente originária das ciências modernas, as deficiências ontológicas que têm por base, elas atualmente encon- tram-se reprogramadas por agendas completamente externas, exógenas ao conhecimento propriamen- te dito, mesmo ao positivo. Até a coragem e a orgulhosa insubordinação, virtudes que moldaram a exce- lência científica, foram desterradas das universidades, onde restaram a covardia e o servilismo, o pro- dutivismo e o ideologismo. A universidade se reduziu a instância de chancela de políticas (pós)modernas que ainda (sabe-se lá até quando) precisam do carimbo da “intelectualidade” para sua validação frente à sociedade. Não surpreende, visto que a institucionalização do conhecimento sempre tendeu para sua pasteurização e esterilização. A universidade apresenta ao Intelecto que lhe bate à porta duas opções: docilização ou morte. Apenas a Tradição preserva o conhecimento vivo – e em sociedades tradicionais uma instituição acadêmica nunca é “autônoma”, mas está rigorosamente subordinada à autoridade da Religião. Este conhecimento “extra-oficial” precisa, urge por homens que lhe sirvam de veículo, e que construam bases, mesmo que modestas, para sua transmissão. Este conhecimento é multifacetado e experimentado com diversos sabores – tão numerosos quanto inesgotável é sua fonte. Sua “aquisição” não se assemelha a um “depositamento” ou “acrescen- tamento” de conteúdo cognitivo, e sim a um estímulo que dissolve as negruras depositadas na superfí- cie luminosa do coração (lócus tradicional da Sabedoria), ou ainda, que retira uma a uma as camadas de ignorância que o encobrem, desvelando nele, pouco a pouco, o que nele sempre esteve gravado, velado, aguardando. O que de si a Sabedoria deixou escrever-se, fê-lo para que as palavras despertem a lem- brança dela própria, para que desse à luz a si mesma várias vezes e em novos idiomas. Este conhecer é rememoração, recordação, reminiscência.