tual, tornar-se opaco. Em eras anteriores, em que a sociedade estava disposta hierarquicamente e ar-
ranjada verticalmente, é provável que o campo hoje chamado “Política” tenha sido de fato o das solu-
ções efetivas. Hoje, quando, subvertido, regido por leis demônicas, leis do demos, das plebes espirituais
sublevadas, adentrá-lo é poluir-se, contaminar-se e ser neutralizado; a imundície que escapou dos in-
fernos pelas frestas outrora ocultas nos recônditos dos vales turva qualquer luz que dos picos tragamos
pura. A “Política” institucional só poderia ser acessória e apêndice de uma ação como a nossa. Contudo,
sabemos que o elemento de força sobrenatural que em eras anteriores sustentou todo o edifício político
e toda ação política é indelével e perene. É chama que queima acima do tempo. É ela que buscamos nos
picos da nossa ação interior e invisível, para que em sua posse incendiemos os vales. É preciso que o
homem volte a ser uma ponte, um vínculo entre Mundo e o Supra-Mundo, é preciso “agir no centro”, onde
as raízes da Ação e da Contemplação se fundem e revelam-se uma só.
O conhecimento nos é caro, indispensável, a própria matéria-prima que, no entanto, ao contrário
do homem atual, processamos em silêncio meditativo, deixando-o agir sozinho em seu tempo, criar raí-
zes nas camadas internas e mais profundas de nosso ser. Como a semente tem seu próprio tempo para
desabrochar e prefere fazê-lo à revelia dos olhares atenciosos do jardineiro, assim é o conhecimento,
que gosta de desabrochar não tanto ao meio-dia, hora da semeadura, mas na noite da consciência. O
conhecimento deve se tornar parte de nós – ou não é conhecimento; ele desabrocha em direção ao céu
– ou é daninho e natimorto. Somente o conhecimento vivo pode vir a ser Sabedoria. A academia, tomada
hoje completamente pelos agentes subversivos, parece incapaz de contemplar um conhecimento desta
natureza, fundamental e transcendente. Como se não bastasse a cegueira metafísica historicamente
originária das ciências modernas, as deficiências ontológicas que têm por base, elas atualmente encon-
tram-se reprogramadas por agendas completamente externas, exógenas ao conhecimento propriamen-
te dito, mesmo ao positivo. Até a coragem e a orgulhosa insubordinação, virtudes que moldaram a exce-
lência científica, foram desterradas das universidades, onde restaram a covardia e o servilismo, o pro-
dutivismo e o ideologismo. A universidade se reduziu a instância de chancela de políticas (pós)modernas
que ainda (sabe-se lá até quando) precisam do carimbo da “intelectualidade” para sua validação frente à
sociedade. Não surpreende, visto que a institucionalização do conhecimento sempre tendeu para sua
pasteurização e esterilização. A universidade apresenta ao Intelecto que lhe bate à porta duas opções:
docilização ou morte. Apenas a Tradição preserva o conhecimento vivo – e em sociedades tradicionais
uma instituição acadêmica nunca é “autônoma”, mas está rigorosamente subordinada à autoridade da
Religião. Este conhecimento “extra-oficial” precisa, urge por homens que lhe sirvam de veículo, e que
construam bases, mesmo que modestas, para sua transmissão.
Este conhecimento é multifacetado e experimentado com diversos sabores – tão numerosos
quanto inesgotável é sua fonte. Sua “aquisição” não se assemelha a um “depositamento” ou “acrescen-
tamento” de conteúdo cognitivo, e sim a um estímulo que dissolve as negruras depositadas na superfí-
cie luminosa do coração (lócus tradicional da Sabedoria), ou ainda, que retira uma a uma as camadas de
ignorância que o encobrem, desvelando nele, pouco a pouco, o que nele sempre esteve gravado, velado,
aguardando. O que de si a Sabedoria deixou escrever-se, fê-lo para que as palavras despertem a lem-
brança dela própria, para que desse à luz a si mesma várias vezes e em novos idiomas. Este conhecer é
rememoração, recordação, reminiscência.