A Capitolina 9, setembro 2014 | Page 12

mini conto

brisa toca levemente seu rosto, deixando-o em um estado particular de alegria – ou seria euforia?, se pergunta, mas logo se conforma: as respostas são para os privilegiados.

Assim como tudo que o cerca, trata-se de um sentimento passageiro. Logo o desânimo e o ceticismo em relação a tudo e a todos retomam sua posição natural. O mar, à frente, revela um horizonte vasto, infinito.

Ainda indeciso psicologicamente quanto ao rumo que julgou melhor alguns instantes atrás, seu corpo já assimilou e colocou em prática a questão: avança continuamente em direção ao infinito. Os pés arrastam a areia, desequilibrando-o a princípio; já em terreno firme, pisa com força, deixando pegadas. Ri com ironia: minhas últimas marcas, constata. Assim como tudo que fiz em minha vidinha medíocre, logo se apagarão.

Estanca bruscamente quando as marolas encharcam seus pés. É como se acordasse de súbito de um sonho estranho, e imediatamente as ideias se organizassem e trouxessem uma nova perspectiva – porém, em sua vida, não há “se”. Ela é, simplesmente, por isso sempre afastou as ilusões.

Avança novamente, agora com mais ímpeto. A água já cobre os joelhos, mas ainda há volta. Um homem que não honra seus compromissos não merecia nem ao menos ter um dia existido, sentencia à si mesmo, preocupado em fazer valer algumas poucas palavras anotadas à lápis – pois a vida não se escreve irrevogavelmente – em um bloco sobre a mesa da cozinha do seu pequeno apartamento, endereçada à algumas poucas pessoas com quem possuía algum vínculo afetivo.

Com a água quase à altura da cintura, tem certa dificuldade para andar. Uma onda se forma repentinamente e se aproxima com rapidez. Arrebenta-se violentamente contra ele, jogando-o para trás e fazendo-o afundar. Sente como se fosse – e aí novamente o “se” – algo que o tentasse dissuadi-lo. Pode parecer teimosia para uns, imaturidade para outros, mas quando toma uma decisão, leva-a ao fim e ao cabo, quaisquer que sejam suas consequências.

Retorna à superfície puxando o ar que quase faltou. Ainda não era o momento certo, diz para si mesmo, como quem encontra algo que há muito desejava, e agora reavalia se havia realmente sentido na força daquele querer.

Prossegue até ficar com a água quase na altura do rosto. Já não se formam ondas. A calmaria se estabeleceu no mar, o que, contraditoriamente, o deixa assustado. Talvez a agitação, o barulho das ondas na arrebentação, lhe sobrepujasse o fluxo de pensamentos que agora o aflige. Ao mesmo tempo, olha para o horizonte – já não é tão extenso como antes. Então fecha os olhos.

Toma coragem – ou apenas tento afastar o medo? – e deixa seu corpo flutuar de bruços na água. Ainda retém oxigênio para poder contemplar, durante algum tempo, seus últimos instantes. Abre os olhos e pouco vê além da espessa escuridão que logo se forma centímetros abaixo da superfície. O ar vai acabando, e uma sensação de pânico começa a se manifestar, mas mantém o corpo onde está. Contrações involuntárias dos músculos ocorrem quando se torna irremediável engolir a água salgada. Rapidamente, a escuridão total, seguida pela ausência de sons.

...

De súbito, ouço meu nome. Abro os olhos. A claridade inunda minhas retinas.

Por Rodrigo de Zafra Toffolo

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