Nesse gênero, a presença fundamental do narrador e seus comentários durante a narrativa causam uma quebra na imaginação do ouvinte. O discurso do narrador vem lembrar ao público que ele está narrando uma história e que, por mais que se possa imaginar muito bem, aquilo não está acontecendo de fato naquele momento.
No teatro realista os atores interpretam as personagens segundo a convenção de que o ator é a personagem, já no teatro épico essa convenção realista é quebrada, pois o ator é também um narrador.
Existe uma dialética da pessoalidade e da impessoa lidade entre o narrador e a personagem. Durante a narrati va, essa dialética se dá entre o discurso do narrador (suas falas e comentários) e a história (a fala das personagens e os acontecimentos narrados). Esse trânsito é importante para condução do ouvinte pela narrativa pois permite ao mesmo tempo que ele viaje pela história e entenda que se trata de uma ficção. O narrador estabelece a condição ficcional da história.
Segundo Anatol Rosenfeld em O teatro épico:
Ao narrar a estória (o narrador) imitará talvez, quando falam, as suasvozes e esboçará alguns dos seus gestos e expressões fisionômicas.
Mas permanecerá, ao mesmo tempo, o narrador que apenas mostra ou ilustra como esses personagens se comportaram, sem que passe a transformar-se neles. Isso, aliás, seria difícil, pois não poderia transformar-se sucessivamente em todos eles e ao mesmo tempo manter a atitude distanciada do narrador. (ROSENFELD, 2010: 25)
Apesar de saber-se que existe uma necessidade humana real, que fomenta a prática de contar histórias, de transitar entre o real e o fantástico, atualmente, a figura tradicional dos contadores de historia está desaparecendo das comunida des.
Esse desaparecimento, de maneira superficial, pode ser justificado pela popularização da televisão e também pelo êxodo rural, ou seja o abandono do campo por seus habitantes em busca de melhores condições de vida nas grandes cidades* televisão e o êxodo rural) estão fortemente ligados ao processo mais amplo de industrialização.
O definhamento da faculdade de trocar experiências acontece por conta da evolução das forças produtivas. Com uma “super difusão de infor mações”, decorrente do nascimento da imprensa e que atinge seu auge com a popularização da televisão, a experiência narrativa perdeu espaço para a informação. Segundo Walter Benjamin em O Narrador:
Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações. [...] O extraordinário e o miraculoso são narrados com a maior exatidão, mas o contexto psicológico da ação não é imposto ao leitor. Ele é livre para interpretar a história como quiser, e com isso o episódio narrado atinge uma amplitude que não existe na informação.
(BENJAMIN, 1994: 197)
Em contrapartida, nas grandes Cidades como São Paulo e Rio de Janeiro surgem muitos grupos e contadores de história que estudam e trabalham com a arte da narração. Segundo Regina Machado em Acordais, atualmente nos grandes centros:
há contadores em bibliotecas, escolas, hospitais e nos diversos espaços culturais. Ninguém mandou, não é uma moda importada; parece que se trata de um sentimento de urgência que faz renascer das cinzas uma ética adormecida, uma solidariedade não mais do que básica, num mundo de cabeça para baixo. (MACHADO, 2004:14)
Além do surgimento de mais pessoas contando histórias, surgem também diversos cursos para formação e aperfeiçoamento dos contadores.
* Com menos pessoas jovens vivendo no campo os narradores perderam muitos ouvintes. O êxodo rural também enfraqueceu a narração de histórias porque no cotidiano das grandes cidades o trabalho absorve grande parte do tempo dos sujeitos e outras alternativas, mais modernas e tecnológicas são disponibilizadas para o tempo livre.