37 A Capitolina
Em entrevista à coluna Livros para Todos, Eder Carvalho, que hoje atua como produtor cultural, foi diagnosticado com Dislexia e TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) aos dezenove anos. Ele nos conta um pouco da sua história antes e depois do diagnóstico e sua relação com a literatura.
Ana: Você descobriu a Dislexia com 19 anos. Antes disso já tinha ouvido falar algo sobre o termo? Como foi para você, se deparar com esse diagnóstico?
Eder Carvalho: Sim, já tinha ouvido falar sobre, mas era um tanto quanto superficial pra mim. Até achava que disléxico tinha as mesmas características de um autista. Por isso nunca passou pela minha cabeça que eu seria um, mesmo porque meu grau é leve. Quando eu realmente soube o que era e que tinha, chorei muito. Mas foi um choro de alívio. Tudo o que eu passei de ruim no aspecto educacional poderia ter sido evitado e compreendido melhor. Não culpo ninguém por isso, nem a mim mesmo. Já passei por tudo o que tive que passar. Enfrentei sem desânimo, adquiri experiências. Não me cobro tanto como antigamente cobrava, tive a resposta por todas as minhas incógnitas, e isso é muito bom.
Ana: Caso tivesse obtido o diagnóstico mais cedo, sua vida teria sido mais fácil com relação aos estudos e à leitura de modo geral?
Eder: Tudo teria sido mais fácil. Até mesmo o meu autoconhecimento. Sempre fui muito esforçado e disciplinado, era complicado pra eu ver todos os meus colegas numa certa facilidade pra assimilar e eu me esforçando mais que eles, porém tendo um resultado pior. Eu trocava as letras, não conseguia decorar e aprender nada. Fui julgado injustamente. O que eu precisava era apenas de atenção maior. Essa falta de percepção fez com que abalasse meu psicológico e minha autoestima. Então, não foi apenas na aprendizagem e na leitura, foi difícil também na vida em geral.
Ana: O filme Como Estrelas na Terra, Toda Criança é Especial aborda o tema da Dislexia. No longa-metragem, o protagonista Ishaan Awasthi, que é disléxico, sofre com a repressão e a falta de conhecimento de seus professores. Como foi para você essa experiência? Você passou por situações de incompreensão dos professores ou de colegas da turma?
Eder: Estou louco pra ver esse filme. Hoje em dia eu abomino qualquer tipo de repressão. Fui educado na base da repressão e isso me fez muito mal. Tanto na parte dos pais quanto na escola. Consequência disso, eu era fechado, quieto, não conseguia me expressar e nem me enturmar. Engoli muito sapo porque não conseguia me impor. E isso era em qualquer lugar. Além disso, era comparado com os outros alunos que não tinham a mesma dificuldade que a minha. Injusto. Tive que fazer uma reconstrução da minha personalidade e partiu de mim mesmo, só que nem todos tem essa força de juntar os caquinhos. Ainda tenho resquícios disso, mas já superei uns 70%. Sei que não é do dia pra noite que se muda tão drasticamente assim, mas sou paciente e vou correr atrás do prejuízo.
Ana: Há relatos de personalidades com dislexia nos quais apontam a existência de métodos para a memorização de suas leituras, facilitando a compreensão da relação entre os grafemas e os fonemas. Durante sua vida escolar e mesmo atualmente há algum método de estudo e/ou leitura que você tenha desenvolvido e que funciona bem para você?
Eder: Como descobri ‘tarde’, não tive a oportunidade de buscar métodos na minha aprendizagem. Na minha vida acadêmica eu tirava muitas dúvidas com os professores. Explorava-os ao máximo. Grupos de estudos e debates após as reuniões me ajudaram a memorizar as teorias e também a me expressar melhor. E o meu curso também era mais prático que teórico, pelo menos na minha vocação a vida foi legal comigo!
Ana: O professor Fernando C. Capovilla, do Instituto de Psicologia da USP e autor do livro Alfabetização – Método Fônico, afirma que o método fônico, com cantigas de roda e outros recursos lúdicos, pode facilitar a compreensão fonológica de crianças disléxicas durante o processo de alfabetização, aproveitando sua plasticidade neural, o que favorece também o aprendizado das crianças em geral. Em sua opinião, seria interessante que as escolas adotassem medidas inclusivas já nessa etapa da educação infantil?
Eder: Seria interessante e também de uma enorme necessidade. Qualquer método alternativo já é um diferencial. Ir além do trivial é ótimo. A gente presta bem mais atenção quando tem alguma novidade.
Ana: Atualmente você trabalha com audiodescrição e, portanto, precisa ler com frequência roteiros e textos. Qual é a sua relação com a leitura hoje em dia? Há um gênero literário de sua preferência?
Eder: Preciso ler também por causa dos grupos de estudos que participo. Tá certo que mesmo após a leitura, na maioria das vezes, eu não lembro ou não compreendo (risos). Mas debatendo o assunto, encontro uma facilidade incrível de entender e memorizar. Tenho um amigo que me ajuda incansavelmente nisso. A gente passa horas conversando sobre filosofia, história, política, reforma agrária e etc. Sou muito grato a paciência dele, talvez ele nem saiba do quanto tá me ajudando. Foi um método que descobri por acaso. Gêneros literários que eu mais gosto são de psicologia e história da arte. Sai da fase de autoajuda!
Ana: Gostaria de deixar alguma mensagem sobre a importância da inclusão e da literatura acessível como recurso para o acesso à cultura?
Eder: A inclusão da leitura e a motivação, principalmente. Inserir também música, danças folclóricas, arte, esportes diversos, filosofia, política. Infelizmente a educação tá do jeito que o governo gosta, formando pessoas sem nenhum senso crítico. Tudo isso eu tive que buscar fora da escola. Imagine aqueles que não têm fácil acesso a tudo isso? Talento não tem lugar pra nascer, devemos ter muita pedra bruta sem lapidar por aí.