Problemas Crônicos 26
insere a Literatura de Cordel. Espere que vais compreender. O estilo literário cordelista germina no Brasil particularmente na região Nordeste, e não é impossível associá-la a toda cultura e tradições nordestinas. Não é só impossível como é imperioso relacionar uma com a outra. Explico-me: A feição nevrálgica da literatura cordelista é justamente o indivíduo nordestino. Dele se subtrai a inspiração para suas rimas. É ele o tutano das histórias declamadas e a veia mestra sua vida, seu cotidiano e seu padecer. A seca do Nordeste brasileiro é a perfeita metáfora para vida de provações a que esses homens se submetem: Ela representa a escassez, o solo ressequido e improdutivo, a miséria, a sede e a fome. Todo esse cotidiano é narrado nos versos do Cordel. E este universo nos remete ao universo de Grande Sertão: Veredas de Guimarães Rosa, na medida em que este não é o nordeste dos engravatados que escrevem do conforto de seus gabinetes sobre um sertão que nunca viram. Em Grande Sertão a visão é do próprio sujeito, aquele que sente na carne tudo aquilo que declara; o lombo queimado do sol, as querelas de peixeira dos cabras, a falta de água, as histórias que transmitem de geração à geração, a religiosidade, o folclore. Isso tudo vivido na pele de um Riobaldo que Guimarães cantou em prosa, mas bem podia ser qualquer “João” nos folhetos do Cordel. E é aí que surge toda a simpatia citada no início desse texto. A sinceridade, a subserviência e a entrega com que são declamados os versos cordelistas despertam automaticamente o nosso apreço a tais inclinações de humildade. E ao transpor ao papel toda sua vivência o nordestino eterniza seu modo de viver; e, o mais importante, ele estampa ao mundo sua dor e a importância de não ser esquecido. Nos varais do nosso nordeste estão dependurados para sempre a angústia e o desalento do povo da caatinga e estampado nas magníficas xilogravuras os olhos tristes e gentis que nos tocam ao coração.
Por fim, disse eu que a humildade e a lisura de espírito provocam em nós um sentimento imediato de amizade e empatia. Corrijo-me dizendo que nem todos os homens possuem essa capacidade empática ou de identificação. Entretanto, nem tudo está perdido. No cerne de alguns homens ainda subsiste o gérmen do altruísmo. Porque, afinal, todos nós somos opressos de alguém, e, ao mesmo tempo, opressores. Lobos do homem.