1964 As armas da política e a ilusão armada | Page 149
Contudo, o processo social brasileiro nada tem de linear e à
medida em que as forças que se situaram mais à esquerda avançavam, os conservadores se organizaram tentando bloqueá-las a
qualquer preço. Primeiro politicamente, depois militarmente. É o
velho ranço autoritário brasileiro de volta. Assim, opondo-se
firmemente às reformas de base, o empresariado, os grandes
proprietários de terra e setores das forças armadas e da Igreja
Católica começaram a alinhavar um projeto alternativo de governo,
o qual desembocou na ruptura do tecido democrático, a duras
penas costurado.
Vale dizer, a reação conservadora deixou, pouco a pouco, o
terreno da legalidade para assumir um papel abertamente conspiratório. Órgãos conservadores, como o Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (lpes), definido certa feita por um cientista político
como “o verdadeiro partido da burguesia”, ou o Instituto Brasileiro
de Ação Democrática (Ibad) ou ainda o Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP), buscaram dar sustentação ideológica ao movimento
conspiratório. Muitos dos oficiais militares envolvidos na tentativa
do Golpe de 1961 trabalhavam nesses organismos, após se afastarem do serviço ativo (este é o caso, por exemplo, de Golbery do
Couto e Silva, um dos principais articuladores de 1964 e cosignatário de um manifesto contra Vargas, em 1954).
Inegavelmente, as falhas estratégicas das esquerdas facilitaram – e muito – a tarefa dos golpistas. De um lado, alguns setores
consideravam que se criava no Brasil uma situação de caráter pré-revolucionário e que o governo Jango, pelo seu tom conciliatório,
impedia que a crise tomasse um rumo efetivamente revolucionário. De outro, havia aqueles setores que pensavam que se desenvolvia no Brasil um importante processo de reformas que não
desaguava, necessariamente, em uma crise do poder, já que se
mantinha a hegemonia dos setores dominantes. Ocorre que os
erros também se sucediam no plano tático, ou seja, na política do
dia-a-dia. As chamadas esquerdas não souberam encarnar suficientemente a bandeira da defesa da legalidade democrática.
O próprio presidente Goulart não parecia estar imunizado contra
1964: golpe ou revolução?
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