Lembro com clareza da primeira vez que cobri, como jornalista, um crime da internet. Eu tinha 21 anos, era foca de uma revista semanal de hardnews e tive acesso a imagens de jovens transando em banheiros de uma festa de faculdade de São Paulo - uma bem conhecida, por sinal. Nas mais brandas, estavam "apenas" nuas. Os registros foram feitos com câmeras escondidas nos banheiros e
espalhados no dia seguinte pela sociais. O que mais me chocou, na época, não foram as cenas em si, triviais para qualquer jovem em iniciação sexual. Mas sim a crueldade imposta àquelas mulheres. Foram elas, e não eles, que tiveram seus rostos e corpos revelados, a reputação investigada e os nomes expostos. Sobre elas, apareceram testes e mais testes de comportamento, culpa, vergonha. Sobre eles, nem uma linha.
Nem uma linha, aliás, deveria ser escrita sobre nenhuma daquelas pessoas, homens ou mulheres. Mas 15 anos se passram , aquilo que aconteceu em 2004 só se amplificou, e o o online shaming se tornou praticamente uma regra da vida contemporânea, com as reações ainda mais agressivas com o advento das mídias sociais. Estamos todos expostos, mas nós, mulheres, ainda mais. Somos as principais vítimas deste tribunal, e a reportagem "Fogueira Digital" nvestiga os porquês , que tem conexão direta com o machismo estrutural. Mulheres como Maria Luiza, Márcia e Rose - algumas de nossas personagens, mas não as únicas: somos muitas, somos milhares - perderam emprego, reputação, guarda dos filhos, mudaram de país. São casos gravíssimos, mas mesmo os mais amenos trazem consequências sérias. Nenhuma mulher merece ser julgada - principalmente em púbico, e sem possibiliade de defesa - por sua aparência, seu lifestyle, suas relações afetivas e sua forma de viver a vida.
LAURA ANCONA LOPEZ