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{ crítica literária }
ÁLVARES DE AZEVEDO
{} MACHADO DE ASSIS
Quando , há cerca de dois ou três meses , tratamos das Vozes da America , do sr . Fagundes Varela , aludimos de passagem às obras de outro acadêmico , morto aos vinte anos , o sr . Alvares de Azevedo . Então , referindo os efeitos do mal byrônico que lavrou durante algum tempo na mocidade brasileira , escrevemos isto : « Um poeta houve que , apesar da sua extrema originalidade , não deixou de receber esta influência , a que aludimos ; foi Alvares de Azevedo . Nele , porém , havia uma certa razão de consanguinidade com o poeta inglês e uma ínfima convivência com os poetas do norte da Europa . Era provável que os anos lhe trouxessem uma tal ou qual transformação , de maneira a afirmar-se mais a sua individualidade , e o desenvolver-se o seu robustíssimo talento ». A estas palavras acrescentávamos que o autor da Lira dos vinte anos exercera uma parte de influência nas imaginações juvenis . Com efeito , se lord Byron não era então desconhecido ás inteligências educadas , se Octaviano e Pinheiro Guimarães já tinham trasladado para o português alguns cantos do autor de Giaour , uma grande parte de poetas , ainda nascentes e por nascer , começaram a conhecer o gênio inglês através das fantasias de Alvares de Azevedo , e apresentaram , não sem desgosto para os que apreciam a sinceridade poética , um triste ceticismo de segunda edição . Cremos que este mal já está atenuado , senão extinto .
Alvares de Azevedo era realmente um grande talento ; só lhe faltou o tempo , como disse um dos seus necrólogos . Aquela imaginação vivaz , ambiciosa , inquieta , receberia com o tempo as modificações necessárias ; discernindo no seu fundo intelectual aquilo que era próprio de si , e aquilo que era apenas reflexo alheio ou impressão da juventude , Alvares de Azevedo acabaria por afirmar a sua individualidade poética . Era daqueles que o berço vota à imortalidade . Compare-se a idade com que morreu aos trabalhos que deixou , e ver-se-á que seiva poderosa não existia naquela organização rara . Tinha os defeitos , as incertezas , os desvios , próprios de um talento novo , que não podia conter-se , nem buscava definir-se . A isto acrescente-se que a íntima convivência de alguns grandes poetas da Alemanha e da Inglaterra produziu , como dissemos , uma poderosa impressão naquele espírito , aliás tão original . Não tiramos disso nenhuma censura ; essa convivência , que não poderia destruir o caráter da sua individualidade poética , ser-lhe-ia de muito proveito , e não pouco contribuiria para a formação definitiva de um talento tão real .
Cita-se sempre , a propósito do autor da Lira dos vinte anos , o nome de Lord Byron , como para indicar as predileções poéticas de Azevedo . É justo , mas não basta . O poeta fazia uma frequente leitura de Shakespeare e pode-se afirmar que a cena de Hamlet e Horácio , diante da caveira de Yorick , inspirou-lhe mais de uma página de versos . Amava Shakespeare , e daí vem que nunca perdoou a tosquia que lhe fez Ducis . Em torno desses dois gênios , Shakespeare e Byron , juntavam-se outros , sem esquecer Musset , com quem Azevedo tinha mais de um ponto de contato . De cada um desses caíram reflexos e raios nas obras de Azevedo . Os Boêmios e o Poema do Frade , um fragmento acabado , e um borrão por emendar , explicarão melhor este pensamento .
Mas esta predileção , por mais definida que seja , não traçava para ele um limite literário , o que nos confirma na certeza de que , alguns anos mais , aquela viva imaginação , impressionável a todos os contatos , acabaria por definir-se positivamente .
Nesses arroubos da fantasia , nessas correrias da imaginação , não se revelava somente um verdadeiro talento ; sentia-se uma verdadeira sensibilidade . A melancolia de Azevedo era sincera . Se excetuarmos as poesias e os poemas humorísticos , o autor da Lira dos vinte anos raras vezes escreve uma página que não denuncie a inspiração melancólica uma saudade indefinida , uma vaga aspiração . Os belos versos que deixou impressionam profundamente ; Virgem Morta , A minha Mãe , Saudades , são completas neste gênero . Qualquer que fosse a situação daquele espírito , não ha dúvida nenhuma que a expressão desses versos é sincera e real . O pressentimento da morte , que Azevedo exprimiu em uma poesia extremamente popularizada , aparecia de quando em quando em todos os seus cantos , como um eco interior , menos um desejo que uma profecia . Que poesia e que sentimento nessas melancólicas estrofes !
Não é difícil ver que o tom dominante de uma grande parte dos versos ligava-se a circunstâncias de que ele conhecia a vida pelos livros que mais apreciava . Ambicionava uma existência poética , inteiramente conforme a índole dos seus poetas queridos . Este afã dolorido , expressão dele , completava -se com esse pressentimento de morte próxima , e
{ voz da literatura } n . 2 | junho | 2018
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