{voz da literatura} {2} {voz da literatura} junho de 2018 | страница 20

{ }
{ crítica literária }

ÁLVARES DE AZEVEDO

{} MACHADO DE ASSIS
Quando, há cerca de dois ou três meses, tratamos das Vozes da America, do sr. Fagundes Varela, aludimos de passagem às obras de outro acadêmico, morto aos vinte anos, o sr. Alvares de Azevedo. Então, referindo os efeitos do mal byrônico que lavrou durante algum tempo na mocidade brasileira, escrevemos isto: « Um poeta houve que, apesar da sua extrema originalidade, não deixou de receber esta influência, a que aludimos; foi Alvares de Azevedo. Nele, porém, havia uma certa razão de consanguinidade com o poeta inglês e uma ínfima convivência com os poetas do norte da Europa. Era provável que os anos lhe trouxessem uma tal ou qual transformação, de maneira a afirmar-se mais a sua individualidade, e o desenvolver-se o seu robustíssimo talento ». A estas palavras acrescentávamos que o autor da Lira dos vinte anos exercera uma parte de influência nas imaginações juvenis. Com efeito, se lord Byron não era então desconhecido ás inteligências educadas, se Octaviano e Pinheiro Guimarães já tinham trasladado para o português alguns cantos do autor de Giaour, uma grande parte de poetas, ainda nascentes e por nascer, começaram a conhecer o gênio inglês através das fantasias de Alvares de Azevedo, e apresentaram, não sem desgosto para os que apreciam a sinceridade poética, um triste ceticismo de segunda edição. Cremos que este mal já está atenuado, senão extinto.
Alvares de Azevedo era realmente um grande talento; só lhe faltou o tempo, como disse um dos seus necrólogos. Aquela imaginação vivaz, ambiciosa, inquieta, receberia com o tempo as modificações necessárias; discernindo no seu fundo intelectual aquilo que era próprio de si, e aquilo que era apenas reflexo alheio ou impressão da juventude, Alvares de Azevedo acabaria por afirmar a sua individualidade poética. Era daqueles que o berço vota à imortalidade. Compare-se a idade com que morreu aos trabalhos que deixou, e ver-se-á que seiva poderosa não existia naquela organização rara. Tinha os defeitos, as incertezas, os desvios, próprios de um talento novo, que não podia conter-se, nem buscava definir-se. A isto acrescente-se que a íntima convivência de alguns grandes poetas da Alemanha e da Inglaterra produziu, como dissemos, uma poderosa impressão naquele espírito, aliás tão original. Não tiramos disso nenhuma censura; essa convivência, que não poderia destruir o caráter da sua individualidade poética, ser-lhe-ia de muito proveito, e não pouco contribuiria para a formação definitiva de um talento tão real.
Cita-se sempre, a propósito do autor da Lira dos vinte anos, o nome de Lord Byron, como para indicar as predileções poéticas de Azevedo. É justo, mas não basta. O poeta fazia uma frequente leitura de Shakespeare e pode-se afirmar que a cena de Hamlet e Horácio, diante da caveira de Yorick, inspirou-lhe mais de uma página de versos. Amava Shakespeare, e daí vem que nunca perdoou a tosquia que lhe fez Ducis. Em torno desses dois gênios, Shakespeare e Byron, juntavam-se outros, sem esquecer Musset, com quem Azevedo tinha mais de um ponto de contato. De cada um desses caíram reflexos e raios nas obras de Azevedo. Os Boêmios e o Poema do Frade, um fragmento acabado, e um borrão por emendar, explicarão melhor este pensamento.
Mas esta predileção, por mais definida que seja, não traçava para ele um limite literário, o que nos confirma na certeza de que, alguns anos mais, aquela viva imaginação, impressionável a todos os contatos, acabaria por definir-se positivamente.
Nesses arroubos da fantasia, nessas correrias da imaginação, não se revelava somente um verdadeiro talento; sentia-se uma verdadeira sensibilidade. A melancolia de Azevedo era sincera. Se excetuarmos as poesias e os poemas humorísticos, o autor da Lira dos vinte anos raras vezes escreve uma página que não denuncie a inspiração melancólica uma saudade indefinida, uma vaga aspiração. Os belos versos que deixou impressionam profundamente; Virgem Morta, A minha Mãe, Saudades, são completas neste gênero. Qualquer que fosse a situação daquele espírito, não ha dúvida nenhuma que a expressão desses versos é sincera e real. O pressentimento da morte, que Azevedo exprimiu em uma poesia extremamente popularizada, aparecia de quando em quando em todos os seus cantos, como um eco interior, menos um desejo que uma profecia. Que poesia e que sentimento nessas melancólicas estrofes!
Não é difícil ver que o tom dominante de uma grande parte dos versos ligava-se a circunstâncias de que ele conhecia a vida pelos livros que mais apreciava. Ambicionava uma existência poética, inteiramente conforme a índole dos seus poetas queridos. Este afã dolorido, expressão dele, completava-se com esse pressentimento de morte próxima, e
{ voz da literatura } n. 2 | junho | 2018
{ 20 }