Vida Simples Março de 2017 | Page 9

O que é menos ou o que é simples? Foram perguntas como essas que nortearam os últimos anos de trabalho do arquiteto e designer Marcelo Rosenbaum, de São Paulo. Parte dessa busca aconteceu em uma cidade no interior do Piauí, Várzea Queimada. Por que lá? “Escolhemos o lugar por conta de uma métrica. A cidade tem um dos menores valores do chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)”, conta Marcelo, que morou pouco mais de um mês por lá. Na convivência, ele conheceu histórias lindas. Foi no vilarejo também que descobriu algo que tem colocado em prática em sua vida diária, nas relações com as pessoas próximas, no trabalho: a descolonização do olhar, uma maneira de enxergar a essência daquilo que está, todos os dias, na nossa frente, com menos conceitos preestabelecidos e mais sensibilidade e delicadeza. E foi desse ponto que começamos nossa conversa.

Como essa história nasceu?

Surgiu de uma inquietação minha de fazer algo com mais propósito. Eu estava na TV (Marcelo esteve à frente do quadro Lar Doce Lar, que integrava o programa Caldeirão do Huck, na Globo), falando de casa, de moradia. E comecei a ser bastante procurado por marcas diversas para fazer eventos ou participar de lançamentos de produtos. Percebi o quanto havia de investimento nisso. Só que as pessoas saíam desses eventos e falavam: “Nossa, que festa linda da operadora de celular X”. Mas o evento era da operadora Y. Por mais que a marca estivesse estampada ali, era nítido que isso não tocava as pessoas. Então pensei: e se a gente começar a criar ações, com marcas, que gerem impacto social? Haverá transformação e uma fidelização muito maior do que apenas ir a um evento para se entreter. A partir desse pensamento, criamos (Marcelo e equipe) o A Gente Transforma, uma ação para engajar marcas com impacto social. Claro que, na prática, isso não é tão simples. Eu cheguei com muito mais entusiasmo do que recebi de volta. Mas, apesar disso, o projeto nasceu. Nossa primeira ação foi no Parque Santo Antônio, em São Paulo. Mas só a ação, por si só, morre. E um movimento precisa de continuidade. Foram alguns anos pensando em fazer isso da melhor maneira e com impacto real, e foi assim que chegamos a Várzea Queimada, há quatro anos, no sertão do Piauí. O lugar virou nosso grande laboratório – e estamos lá até hoje. A cidade não tem água ou rede de esgoto, mas tem amor e relação. Descobri que é um grande equívoco classificá-la como uma localidade com baixo desenvolvimento humano. Considero Várzea Queimada minha faculdade, uma universidade de saberes ancestrais; e os caboclos e os índios, meus professores. Eles estão conectados com a própria natureza, com o respeito ao que tem no entorno, e não têm a vida calcada no pertencimento. Aprendi com essa gente a ver a essência, a olhar para o que é mais importante. Hoje os pilares do A Gente Transforma são a ancestralidade, a sustentabilidade e a beleza; que é olhar para esse essencial.

Me dá um exemplo prático da busca dessa essência?

Em Várzea Queimada, fomos para ficar um mês. Tínhamos como meta ir

A descolonização do olhar

Para o arquiteto Marcelo Rosenbaum, precisamos reconstruir nossa maneira de olhar para objetos, pessoas e relações. Só assim vamos enxergar a beleza do mundo

TEXTO Ana Holanda

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MARÇO 2017 vida simples