Semana_Festival de Cinema 9aSEMANA_CATALOGO_WEB | Page 115
ANACRONIAS
de Williams desenha um percurso ascendente, pontuado de acidentes
maravilhosos. Sem nunca abdicar da verossimilhança, os filmes se
dedicam a dinamitar as coordenadas mais básicas do mundo – a
começar pela lei da gravidade. A consistência dos corpos, a coerência
dos espaços, a estabilidade do tempo, tudo se põe subitamente a
variar nesse cinema do arrebato.
A princípio, nada mais atual do que um filme que conjuga os
deslocamentos de um imigrante africano pelas ruas de Paris às
imagens dos embates entre jovens manifestantes e a polícia francesa.
No entanto, a começar pelo preto e branco altamente contrastado de
sua fotografia noturna, Paris est une fête rejeita de saída a aderência
simples às urgências do presente. Como um artista que abandonasse
o atelier e passasse a fazer seus estudos pictóricos na rua, em meio
ao caos da cidade e da multidão, a câmera de Sylvain George esboça,
compõe breves retratos, arrisca uma paisagem. Sua montagem
compõe uma tapeçaria mutante, que se transforma a cada novo
movimento musical. Paris não é um quadro em branco, mas uma
imensa tela incansavelmente já pintada, que o filme vem rasurar,
perfurar, retorcer na densidade da noite.
Escavar as imagens e os sons do passado: gesto eminentemente
contemporâneo. Na fértil paisagem do cinema de reapropriação,
os filmes de Mónica Savirón e Deborah Stratman ocupam alguns
dos pontos mais fecundos. No trabalho extremamente minucioso
de Savirón, a imagem de arquivo é tanto um enunciado quanto uma
matéria plástica, sonora, expressiva vital.
Se Broken Tongue impressiona por seu incomparável poder de
condensação – mais de um século de história no ritmo febril de um
grande filme de três minutos –, Answer Print é uma aposta renovada
nas virtudes materiais do cinema: as imperfeições dos arquivos se
transformam em vetores de uma poética visual própria; a aspereza dos
cortes abruptos compõe um ritmo inesperado; os ruídos selvagens da
projeção se tornam música.
Em Second Sighted, é a fluidez das formas que impera. A partir
do acervo dos Chicago Film Archives, a música de Olivia Block e a
ANACRONIAS
115