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ANACRONIAS Pertence verdadeiramente ao seu tempo, é verdadeiramente contemporâneo, aquele que não coincide perfeitamente com este, nem está adequado às suas pretensões e é, portanto, nesse sentido, inatual; mas, exatamente por isso, exatamente através desse deslocamento e desse anacronismo, ele é capaz, mais do que os outros, de perceber e apreender o seu tempo. Giorgio Agamben A contemporaneidade de um filme costuma ser apontada de duas maneiras: ora de acordo com a capacidade que a obra tem de responder às inquietações temáticas e discursivas do presente; ora a partir de seu grau de adequação aos veios estilísticos em voga no momento histórico atual. Diante da tarefa de programar um conjunto de filmes internacionais recentes em diálogo com a programação nacional da Semana, a mostra Anacronias toma distância e aposta na defasagem: se os filmes aqui reunidos são contemporâneos, é justamente por sua incongruência em relação às pretensões do presente; se eles fazem jus a seu tempo, é porque não se conformam a nenhuma de suas tendências. Frente à inflação desenfreada do “cinema contemporâneo” – ao mesmo tempo incomensurável e incansavelmente mapeado –, nosso interesse é pelos interstícios do que se produz hoje: por aqueles filmes que não se deixam enquadrar tão facilmente; que não respondem a demandas temáticas ou estilísticas; que ensejam relações livres com o passado e abrem brechas para um futuro incerto; que são anacrônicos porque se debatem contra o espírito do presente. Diante de um filme de Eduardo “Teddy” Williams, o estranhamento é paradoxal: ao mesmo tempo em que experimentamos o encanto da descoberta do primeiro cinema – os lugares, as pessoas parecem filmados pela primeira vez, como numa vista Lumière –, temos a nítida impressão de estarmos frente ao olhar inescrutável de um viajante que vem do futuro (ou de Marte). Do terra-a-terra de Tan atentos até a estratosfera de J’ai oublié!, a obra em curta-metragem 114 ANACRONIAS