SEF em Revista | Page 14

S E F +

"A tortura é violência sem sentido, nascida do medo...

a tortura tem o custo de vidas humanas mas não as salva.

Teríamos sorte se este crime fosse obra de selvagens:

a verdade é que a tortura faz o torturador."

Jean Paul Sartre

Introdução

A questão da proibição da tortura (1) surge como um tema de grande atualidade no Direito Internacional (DI). Consagrada na Convenção das Nações Unidas contra a Tortura de 1984, pretende garantir internacionalmente o princípio da dignidade humana e reforçar a proteção e promoção dos Direitos Humanos (DH).

Todavia, hodiernamente, somos diariamente confrontados com histórias de tortura, uma prática considerada medieval, nas mais variadas regiões do mundo, desde países em subdesenvolvimento aos países mais civilizados.

Os requisitos da tortura, obedecem a uma breve distinção com a noção de “Tratamento (ou Pena) Cruel, Desumano ou Degradante” (2) , não permitindo esta curta reflexão, uma abordagem objetiva à respetiva diferenciação.

Uma reflexão ao “novo conceito” de tortura: consequências na realpolitik na luta contra o terrorismo?

Ao ratificar a CcT (3) os Estados manifestaram o seu consentimento de, em circunstância alguma, nem em situação de guerra ou de emergência, recorrerem ao uso da tortura. Os Estados concordaram que nada pode justificar a prática de atos de tortura. Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.

No entanto, um ataque em pleno território norte-americano a 11 de Setembro de 2001, a consequente “guerra contra o terrorismo”, enlaçada a uma política deliberada e sujeita a tentações imperialistas e isolacionistas, vieram colocar em causa os princípios e valores internacionais então consagrados naquele instrumento.

O momento foi propício ao estabelecimento dos alicerces de uma “nova” arquitetura jurídica do conceito de tortura. Neste sentido, a “guerra contra o terrorismo”, sonegando princípios muito próprios e imperativos do DI e do Direito Internacional Humanitário (DIH), veio desestabilizar a proibição da tortura e proporcionar justificações a alguns Estados para contornar o DI.

Assim, face à necessidade de combater determinados ataques terroristas − e ao receio de uma repetição − ficou também esclarecido que a proibição da tortura foi desafiada. Com efeito, tentando-se

interpretativamente restringir o artigo 1º CcT, questionou-se a imperatividade e a intocabilidade da proibição da tortura.

Atualmente a abordagem à questão de uma possível exceção permissiva da tortura, levada a debate em determinados contextos desenhados à luz do cenário da ticking bomb (4) – Suponha que o autor de um iminente ataque terrorista, que se prevê possa matar muitas pessoas, nas mãos das autoridades e mediante tortura,

divulga as informações necessárias para evitar o ataque – coloca-se a questão da aplicabilidade da tortura no âmbito do DIH e dos Conflitos Armados, designadamente na estrita aplicabilidade dos seus princípios/ corolários: necessidade militar (objetivo vs vantagem militar); humanidade (art. 3º/ 4CG); distinção (combatente e não combatente/ objetivos militares e bens civis) e proporcionalidade (associado ao conceito de danos colaterais).

Faça-se notar que apesar da violação de normas internacionais é importante que a validade delas não seja posta em causa, exigindo-se da comunidade internacional que censure essa violação. Recentemente é de louvar a declaração da Assembleia Geral das Nações Unidas que “condena qualquer ação ou tentativa dos Estados ou de agentes públicos para legalizar, autorizar ou reconhecer a tortura ou outro tratamento ou pena cruel, desumano ou degradante em qualquer circunstância, incluindo com base na segurança nacional ou através de decisões judiciais.” (5)

14 SEF em Revista set/out 2014