Saúde Mental Jun. 2017 | Page 25

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saúde mental dos

estudantes universitários ainda é pouco investigada no Brasil, produto de uma normalização do sofrimento do jovem universitário. A exaustão com as tarefas acadêmicas é muitas vezes cobrada do estudante, como sinônimo de produtividade e de esforço. Seguindo uma visão utópica baseada na inclusão das minorias nos espaços universitários, deve-se levar em consideração a universidade como um reflexo da sociedade, ou seja, um lugar ainda bastante tradicionalista, burocrata e violento, o que reflete diretamente na qualidade de vida dos estudantes.

Uma campanha feita pela comunidade estudantil, que teve início nas redes sociais e é intitulada “Não é normal UFV” levantou a discussão sobre a saúde mental de estudantes e servidores da Universidade Federal de Viçosa, trazendo à tona vários relatos de abusos. Algumas das situações que podem causar desconforto durante a vida acadêmica são a sobrecarga de avaliações, a atuação abusiva de docentes, a insegurança no campus, a formação insuficiente tendo em vista o mercado de trabalho, entre outras.

A preocupação com a saúde mental dos estudantes é necessária, tendo em vista que a manutenção da saúde mental se constitui como parte fundamental da saúde geral, permitindo ao indivíduo o aproveitamento pleno de suas capacidades cognitivas, relacionais e afetivas, o enfrentamento de dificuldades na vida, a produção no trabalho e a contribuição para ações em sociedade (Baptista, Souza & Alves, 2008).

Também é importante levar em conta que os estudantes ingressam na universidade cada vez mais cedo, aproximadamente na adolescência, e passam, durante a vida acadêmica, pela transição da adolescência para a vida adulta. Essa fase pode desencadear situações de crises que se manifestam através de depressões, alcoolismo, evasão escolar, dificuldades de aprendizagem, relacionamentos pessoais insatisfatórios, ligações de amizades prejudiciais e isolamento (Fernandez, Rodrigues, Cowan & Morewitz, 1995). Essa fase é caracterizada pelo possível desenvolvimento de comportamentos de risco, como o uso de substâncias psicoativas, o desenvolvimento de distúrbios alimentares e a direção irresponsável. Também é o momento de descoberta da sexualidade, o que pode gerar desde o amadurecimento do jovem até o desencadeamento de doenças, quando essa descoberta gera desajustamento (Cerchiari, 2004).

A partir da entrevista com 15 alunos da Universidade de Brasília (UnB), que contemplou os cursos de Ciências Sociais, Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica, Engenharia Mecatrônica, Engenharia de Redes, Engenharia Florestal, Matemática, Ciências da Computação, Arquitetura, Biologia e Relações Internacionais, foi possível concluir que a maioria dos entrevistados privilegiava os seus estudos a sua saúde mental, quando perguntados acerca do assunto. Johane, aluna de Ciências Sociais, disse “priorizo a saúde mental em certo ponto porque às vezes fico desesperada, questão de ter que acelerar para acompanhar o ritmo”. Já o estudante de Ciências da Computação, Marcelo, disse que prioriza a saúde mental, pois sem ela, ele não consegue estudar, o que reforça que dificuldades emocionais prejudicam o rendimento nos estudos e, consequentemente, na vida profissional futura (Figueiredo & Oliveira, 1995).

A escolha do curso tão cedo, aproximadamente aos 16, 17 anos por imposição do sistema educacional, pode trazer prejuízos a qualidade de vida dos estudantes, que, nessa época, ainda estão passando por uma crise de identidade (Cerchiari, 2004). A frustração com o curso e a consequente mudança de curso não são situações raras nas universidades do Brasil, o que pode ocasionar no jovem um sentimento de deslocamento no próprio espaço universitário e de dúvida quanto às escolhas profissionais. Mesmo quando o estudante cursa sua primeira opção, pode se decepcionar com a não realização de algumas de suas expectativas para o curso, como é possível perceber no relato do estudante de Engenharia de Redes, Nelson, que disse “você não sente que tem que estudar pra aprender, você sente que fatalmente tem que estudar pra tirar uma boa nota pra passar na matéria, mesmo que seja uma coisa que goste, você estuda porque precisa e não porque quer”.

Outro tópico que veio à tona durante as entrevistas foi a desigualdade com estudantes em condição de vulnerabilidade durante a vida acadêmica. O estudante Denis de Engenharia Mecatrônica, comentou “as matérias são muito pesadas e nem todos os alunos tem uma base, porque tem gente que vem do ensino particular e tem gente que vem do ensino público, então pra quem não tem uma base, é mais difícil ainda”. A condição de vulnerabilidade de estudantes universitários é um fator de risco a sua saúde mental, pois, não basta assegurar o ingresso na universidade, para acontecer uma real democratização do ensino superior, é necessária a criação de condições concretas de permanência do aluno na universidade até a conclusão do curso, por meio de programas que busquem atenuar os efeitos das desigualdades provocadas por condições sociais e econômicas (Cherchiari, 2004)

Nesse contexto das dificuldades emocionais de estudantes, o apoio da família e amigos se constitui como algo muito importância para a melhora do jovem.

Lidchi e Eisenstein (2004) ressaltam o desenvolvimento da confiança em um membro da família, que acontece na medida em que as funções autonomia e proteção lhes são oferecidas equilibradamente pelos familiares. Desta maneira uma família funcional é percebida como afetuosa, com presença de diálogo, coesa, com regras flexíveis, porém com limites claros, oferecendo recursos necessários ao crescimento individual e apoio diante das situações-problema.

Dentre os 15 entrevistados, 9 disseram que procuraram a ajuda de amigos e familiares quando encontraram dificuldades. Quando o indivíduo se sente bem, devido às relações de afetividade, melhor se adapta às circunstâncias novas e, mesmo quando os eventos estressores não podem ser evitados, seus efeitos são menores, causando menor prejuízo à sua saúde psicológica (Souza, Baptista & Baptista, 2010).

Quando questionados sobre o CAEP UnB (Centro de Atendimento e Estudos Psicológicos), apenas 5 estudantes conheciam o lugar, o que alerta para a não divulgação desse serviço de maneira eficaz nos espaços universitários. O CAEP realiza atendimentos individuais, terapia conjugal e familiar e atendimento à violência de gênero, e é aberto para toda a comunidade, incluindo alunos da UnB.

É necessário que as universidades elaborem políticas estudantis de atenção psicossocial, e que promovam debates envolvendo toda a comunidade acadêmica. Também é necessária a mobilização do Estado para o desenvolvimento de políticas públicas, uma vez que a saúde do estudante universitário está ainda descoberta, visto que não se enquadra em nenhum grupo de atenção em saúde estabelecido pelos Serviços Básicos de Saúde (Figueiredo & Oliveira, 1995).

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