Saúde Mental Jun. 2017 | Page 17

Seguiremos com uma entrevista com a psicóloga e doutora Juliana Pacheco, que atua no CAPS II do Paranoá e possui estudos voltados para a Saúde Mental, Reforma Psiquiátrica e Representações Sociais da Loucura.

Qual a importância da luta antimanicomial?

Primeiramente, é uma luta por outra concepção de loucura, por outra concepção de ser humano. Mas isso ainda é muito contraditório, pois ao mesmo tempo em que falamos que devemos conviver com esses loucos, os “perigosos”, estamos colocando cerca elétrica em casa, todo mundo prefere se trancar.

Por exemplo, fizeram um acordo pra 50 pessoas do CAPS Paranoá entrarem no metrô sem pagar e poderem se encontrar na rodoviária, porque era a semana da luta antimanicomial. No dia foram cerca de 120 pessoas, mas os funcionários do metrô retiraram todos que estavam no vagão para fazer um exclusivo para os doidos “olha, sai todo mundo aí porque ta vindo a galera da saúde mental”, isso foi uma questão levantada, no dia da festa da luta fomos alvo dessa prática segregacionista, isso revela bem o que a gente esta vivendo.

O que é o CAPS?

É uma representação concreta dessa luta (antimanicomial). O CAPS não é só um serviço de saúde, é também um serviço político. Foi inspirado na experiência italiana, considerada um grande marco da reforma psiquiátrica como a gente tem hoje. É um serviço territorial, aberto, tem como função acolher e trabalhar as questões terapêuticas, mas também trabalha as famílias, comunidade. A ideia é que seja um local de passagem, de referência, mas que trabalhe o sujeito na sua inserção. São três tipos, transtorno adulto, infantil e álcool/drogas, nas categorias: 1 e 2 que atendem uma população de até 200mil habitantes e funcionam de manhã e à tarde o 3 que é 24 horas, esse terceiro turno vem com a função de substituir os hospitais psiquiátricos.

Você não acha que a localização dos CAPS seria uma forma de segregação?

Não acho que é segregação assim com o peso que essa palavra tem porque é um serviço aberto, mas eu concordo que a localização não é adequada mesmo.

Com as oficinas terapêuticas contribuem para saúde mental?

A função não é ocupar o sujeito para ele ficar feliz, mas permitir ao sujeito se comunicar, aprender a conviver com as pessoas e poder reconhecer e ir vencendo suas dificuldades, essas oficinas funcionam muito como um treino para a vida. Os CAPS vêm ao poucos se aproximando do mundo real, então acho que esse tipo de atividade é uma ponte do interno com o externo.

Quais são as representações sociais da loucura?

A loucura já passou por várias representações sociais que sempre têm a ver com o momento histórico, momento político, a sociedade e o conhecimento vão se transformando. Uma coisa que eu acho muito interessante que o Foucault fala é que essas representações não somem, elas não se transformam completamente porque essas transformações vão combinando elementos, não vão se rompendo. Então ele fala que hoje nossas representações têm um subterrâneo de várias coisas que vira e mexe emergem. Hoje a gente ainda tem uma representação da loucura como algo perigoso, pessoas incapazes e imprevisíveis que a gente não pode confiar, mas por outro lado, tivemos uma transformação social importante que é o fortalecimento das minorias.

As pessoas ainda resistem em procurar um psicólogo, existe certo estigma diante da profissão, vocês têm algum trabalho que tente quebrar essa visão negativa?

Nós ainda vamos caminhar muito pra isso, temos muitos profissionais caretas e quando digo careta eu me refiro a esses que só ficam nos consultórios... Ninguém quer ser visto como louco, quando você tem uma imagem de um profissional associada a dele dificulta, ainda vamos demorar para desconstruir isso.

Eu acho também que os psicólogos precisam mais sair dos consultórios porque o consultório é muito identificado como espaço segregado, reservado e psicologia não é só isso. Ela tem uma função social muito importante, não é só aquele que faz atendimento individual, mas é aquele que consegue perceber as relações, e isso ainda não entrou na nossa imagem.

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