Samba Acadêmico Brasil Edição 12 ANO II Março 2017 | Page 33

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opulência da Casa Grande no trato dos escravos fez com que a população negra, trazida à força para o Brasil, desenvolvesse uma arte de defesa para se proteger dos capitães do mato que possuíam armas e perseguiam os “negos fujões”. Era a esperança de liberdade e sobrevivência.

“É vasto o universo de quem se aventura a pesquisar a capoeira. Arte que apresenta registros iconográficos e documentais desde o século 18, a capoeira tem diversas vertentes, ensinadas por mestres, contramestres, professores e instrutores. Além disso, cobre um amplo território geográfico que mapeia os cinco continentes, uma vez que as rodas de capoeira estão difundidas em mais de 150 países.” Dossiê Capoeira IPHAN pg 13

“A dificuldade em estabelecer as origens da capoeira nos aspectos geográficos, culturais e etimológicos pode ser explicada por causa de sua diversidade. Manifestação intimamente ligada às culturas locais, ganhou contornos específicos de acordo com os contextos em que se desenvolveu. A capoeira, dessa forma, é reconhecida como fenômeno cultural urbano, cuja história permeia o passado e o presente.” Dossiê Capoeira IPHAN pg 21

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maioria dos negros nascidos livres trazidos escravos para o Brasil era proveniente do território que conhecemos hoje como Angola e Congo, dos povos de origem Iorubá e Daomé, dos povos Malesi e Hauçá e do grupo Banto – incluindo os congos os Quimbundos e Kasanjes, todos da África Ocidental. Existia uma cerimônia no continente africano chamada n’golo, voltada à iniciação dos homens à fase adulta da vida, era animada pelos sons dos atabaques, e para o qual sairia vitorioso aquele que conseguisse encostar o pé na cabeça do adversário. No Brasil a arte era praticada nas áreas que haviam sido preparadas para as plantações dos índios, onde eram derrubas as florestas e florescia uma vegetação de menor porte, justamente a Capoeira, da origem tupi kapu’era que significa “o que foi da mata”.

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busca do aperfeiçoamento das técnicas e o treinamento dos mais jovens criaram um ritual que se confundia com dança - jinga, sempre acompanhada pelos tambores, batidas de palmas e cantorias, e diante desta conjuntura ensaiavam os golpes da Capoeira ou Capoeiragem, enganando os senhores de engenho que acreditavam se tratar apenas de uma festa de negros regada a batuque e cantorias.

Muitos fatores eram impeditivos para que este contingente da população africana se rebelasse. As condições desumanas e de humilhação, a imposição da religião católica em detrimento de sua religiosidade ancestral, o trabalho excessivo até a completa exaustão, os castigos à base de punições físicas, as etnias diferentes e rivais dos povos africanos trazidos para cá, o total desconhecimento das matas onde foram escravizados, entre outros.

Existia uma

cerimônia no continente africano chamada n’golo,

voltada à iniciação

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adulta da vida,

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pelos sons dos

atabaques

Quem vem lá sou eu,

quem vem lá sou eu,

Berimbau mais eu,

capoeira sou eu.

Domínio público

zumbi dos palmares

Quem vem lá sou eu,

quem vem lá sou eu,

Berimbau mais eu,

capoeira sou eu.

Domínio público

zumbi dos palmares

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ficio dos Mestres de Capoeira

“(...) existe um conflito estabelecido entre o mestre sem formação escolar e o professor de educação física, considerado apto a substituí-lo. De um lado, o saber da cultura popular; de outro, o conhecimento formal e conceitual das universidades. Nos últimos anos, a capoeira ganhou o Brasil e o mundo e as escolas contemporâneas tiveram que se reorganizar a partir de princípios próprios e distintos. Há uma recuperação dos valores tradicionais da Capoeira Angola no que tange às formas de ensino e aprendizado, em que se pretende trazer de volta o método tradicional da “oitiva”, resistindo, a seu modo, ao processo de escolarização formal. Dessa maneira, estamos diante de duas tradições de ensino e aprendizado que atravessaram a história da capoeira. O modelo da escola tradicional, voltado para a sistematização, racionalização e competição, em que o importante é o resultado ou a eficiência do processo de aprendizado, e o modo inspirado na forma antiga de aprender, na qual a vadiação, a brincadeira e a estética tornam-se base. Não é justo afirmar que a Capoeira Angola é o patrimônio da forma antiga de aprender e a Capoeira Regional é o da forma escolar e formal. Podemos apenas constatar nelas o que historicamente se apresenta como forma hegemônica de aprender e ensinar. Existem grupos e grupos de Capoeira Angola e Regional. Se olharmos bem de perto para cada um deles, poderemos perfeitamente encontrar, no aprendizado do dia a dia, marcas dessas duas tendências, com uma predominância do modo escolar e formal. A história e a tradição da capoeira e de suas formas de aprendizado ainda continuam abertas, num jogo incompleto, sem vencedor ou vencido.” Dossiê Capoeira IPHAN pgs 88 e 89.

“É importante frisar que o ensino/aprendizagem da capoeira não deve ser voltado apenas para o aspecto técnico de aprender determinada forma de luta e de esporte. O ensino de golpes, contragolpes, esquivas e sequências deverá ser acompanhado de transmissão de todos os elementos que envolvem a sua cultura, história, origem e evolução, ao tempo em que se estimulará a pesquisa, debate e discussão em seminários, para que o educando tenha participação efetiva no contexto da capoeira como um todo”.diz Mestre Xeréu Dossiê Capoeira IPHAN pg 86.

A UFRJ está debatendo o tema da aceitação dos Saberes de mestres da cultura popular no meio acadêmico. O coordenador do fórum de Ciência e Cultura da UFRJ Carlos Wainer, ”explica que já existem na instituição iniciativas de diálogo e articulação com saberes não acadêmicos, populares e tradicionais em diferentes áreas como música, dança, ensino e pesquisa em antropologia social e ciências sociais. A ideia agora é estruturar essas experiências.” Conforme matéria “UFRJ debate inclusão de saberes populares no ambiente acadêmico” de Akemi Nitahara – repórter da agência Brasil de 28/01-2016.

A Roda de Capoeira foi registrada como bem cultural pelo IPHAN em 2008, o inventário foi realizado na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro considerados berços desta expressão cultural.

Em 2014 a UNESCO concedeu o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade a Roda de Capoeira.

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