Saci Pererê - 100 anos do Inquérito 2018 | Page 8

Carlos Carvalho Cavalheiro

Artigo

Um Saci Centenário

Carlos Carvalho Cavalheiro

Arte : José Luiz Ohi
O ano de 2017 marca o centenário de uma inusitada publicação gestada pelo entusiasmo do escritor Monteiro Lobato . Trata-se do afamado livro O Sacy Pererê – Resultado de um Inquérito , que surgiu em 1917 com a proposta apresentada aos leitores do jornal O Estado de S . Paulo . As colaborações superaram as expectativas e , um ano depois , em 1918 , foram compiladas em forma de livro .
Há uma ou outra intervenção de Lobato no livro , mas basicamente são coletâneas de cartas de leitores enviadas ao jornal . A obra tornou-se referência , posteriormente , pela riqueza de informações que trouxe sobre o mito do Saci-Pererê . Percebe-se , pela leitura do Inquérito , que a figura do Saci não apresentava uma uniformidade , variando de lugar para lugar , de região para região . A capa do livro , por exemplo , apresenta um Saci com porrete na mão e chifres na testa .
Adelino Brandão , no artigo Presença do Saci , publicado na Revista do Arquivo Municipal em 1971 , adverte que a figura do Saci , “ estilizada na figura do pretinho unípede , que fuma cachimbo , usa um barrete vermelho e se diverte dando nó na crina dos cavalos ”. resultou de um processo de muitas metamorfoses e transformações . Saci com duas pernas , Saci branco , Saci indígena ... Atualmente o pesquisador e escritor Olívio Jekupé tem se esforçado em mostrar que a origem do nosso Saci está entre os indígenas brasileiros . Maria Luíza Campos Aroeira , no livro Minhas Atividades já dizia que o Saci era fruto da imaginação das três principais etnias formadoras do povo brasileiro .
Por outro lado , José Carlos Rossato , no livro Saci , chama a atenção para o fato de que “ primitivamente o Saci surgiu como um mito ornitomórfico , isto é , um pássaro encantado ”. O mesmo autor apresenta uma lista de seres fantásticos de diversos países e que são correspondentes ou análogos ao nosso Saci : Gremlim , nos Estados Unidos ; Fradinho da Mão Furada em Portugal ; Curilo na Inglaterra ; Kobolde na Alemanha .
Curiosamente , a historiadora Ecléa Bosi recolheu uma informação interessante . Um de seus entrevistados para a sua tese de doutorado , que se converteu no livro Memória e Sociedade – Lembranças de Velhos , apresenta o seguinte testemunho : “ A respeito do meu pai tenho que contar que ele viu o saci . O saci brasileiro tem uma perna só , mas o saci italiano tem duas pernas . Chamava-se , pelo dialeto que falávamos em casa , scazzamuriddu , parece-me que quer dizer aquele que salta muros . Era pequeno , baixinho , arteiro , sabia onde estavam os tesouros e os dava para quem ficasse com o chapéu dele . Minha mãe dizia : ‘ Você é tão bobo que deixou o saci fugir com o boné ’”.
Pois é . Passados cem anos ainda nos deparamos com o Saci metamorfoseado , nos confundindo e logrando , realizando as suas artimanhas para não ser capturado pela nossa razão , cujo único intento é destruir o que de belo e humano a imaginação criou .
Carlos Cavalheiro é historiador , teólogo , educador e saciólogo de São Paulo / SP , responsável pela tentativa de refazer o Inquérito sobre o Saci em 2006 .