Saci Pererê - 100 anos do Inquérito 2018 | Page 31

história , indagaram quase que de forma simultânea : “ E o que aconteceu ?”. “ Apareceu , mesmo ?”. Badú solta a fumaça de um trago - segurando o cigarro com a brasa pro lado de dentro da mão - , e continua :
- “ Se apareceu ?! Escute só ... Disse que o rapai foi ... à noite . Acendeu um lampião , jeitô as vara tudo certinho , rumô um lugar bão pá sentá ... E começô pegá , rapai . Disse que era um atrai do outro . Graúdo ! E ficô nisso aí por uns 20 minuto . Pegô bem dizê uns 30 ... Dali um poco disse que começô levantá uma ventania no meio daquele bambuzá , rapai ! Disse que o vento girava lá dentro que chegava a subiá ! Malemá ele conseguia abri o zóio , de tanta poeira que levantô .” Contava empolgado e com um semblante sério .
Nisso , eu com a atenção totalmente focada na história e já imaginando a cena perfeitamente , pensava comigo mesmo : “ Caramba ! E não é que apareceu mesmo ?” incrédulo . E Badú finalizava : - “ Aí , rapai , ele de zóio fechado , tudo as vara voanu pá dentro d ’ água , lampião quebrano , aquele baruio do vento que chegava arrepiá de medo ... E num é que o rapai disse que começo a senti umas pancada ? Disse que parecia chinelada , rapai . O vento vinha nele e dava : Pei ! Era na costa , na cabeça , nas perna ... Ói , rapai . O home fez que fez , lidô que lidô até que conseguiu saí do meio da ventania e correu pra fora do bambu . Aí a hora que caiu na estrada , muntô no carro e saiu num carrerão que largô tudo pá trái . Quis nem sabê mai de nada ... Daí quando chegô em casa , cendeu a luiz e oiô no corpo ... era só vergão vermeio que tinha ficado pô corpo .” Finalizou , limpando a saliva no canto da boca e com a voz ofegante , após contar a história com tremenda empolgação .
Finalizada a história , o tempo passou mais um pouco e os comentários sobre o causo do Saci foram , pouco a pouco , sendo deixados de lado para dar lugar aos comentários sobre passarinho . Meu tio e eu ficamos por ali mais um pouco e resolvemos ir embora . Pegamos a nossa gaiola , montamos no fusca verde água , nos despedimos da turma , ligamos o som com a fita de Tonico & Tinoco e partimos rumo pra casa .
No caminho , eu obviamente pensando a todo tempo na história do Saci , indaguei meu tio - meio com vergonha por não querer demonstrar estar preocupado :
- “ Por acaso nós já fomos pescar nesse lugar aí que apareceu o Saci ?” Falei meio rápido , me atrapalhando nas palavras , com vergonha . Ele , olhando pelo retrovisor ( porque o fusca não tinha o banco da frente - para o assoalho servir de espaço para o transporte da gaiola - , e o passageiro necessariamente tinha que se sentar no banco de trás ) dá uma risada que chega a deixar o rosto vermelho e diz :
- “ Umas par de vei ! Mai num cheguemo a topá co Saci , né , Luca ? Se quisé vortá lá numa lua cheia à noite ...” E continuava a rir .
Eu , em contrapartida - percebendo o sarro que ele começou a tirar de mim - , dei um sorriso amarelo e soltei , como um mestre fajuto na arte do ilusionismo :
- “ De quem era aquele canário que estava lá hoje ? Bom , hein !” Tentando mudar pifiamente o assunto .
Cheguei a pensar em provar minha valentia e sugerir para irmos à cascata em uma noite de lua cheia . Mas ... E se meu tio realmente topasse a ideia , né ?
Não tenho medo , não . Até teria vontade de ir . Mas , infelizmente , sou alérgico à ventania .
Lucas Fraga é designer gráfico de Rio das Pedras / SP