Saci Pererê - 100 anos do Inquérito 2018 | Page 30

Lucas Baldo Fraga

Conto

Alergia à Ventania

Lucas Baldo Fraga

Meados de 2003 . Na época eu , com 13 anos , já esboçava a curiosidade por ouvir e , também , por escrever histórias . Morador de Rio das Pedras , uma cidade com pouco mais de 29 mil habitantes , no interior de São Paulo , muito frequentei círculos de amizades com pessoas mais velhas acompanhado de meu tio , fiel passarinheiro e pescador .
Em uma manhã de domingo , como já vinha sendo costume para nós , meu tio e eu fomos até a casa de um de seus amigos . Lá , uma turma da terceira idade se reunia na calçada . Bebiam pinga com limão e jogavam conversa fora ao som de Belmonte & Amaraí .
Entre eles estava Badú . Era um senhor de mais ou menos 60 anos , cabelos brancos – porém , somente na parte de trás e nas laterais da cabeça . Ostentava grandes costeletas ( no melhor estilo Erasmo Carlos ) e pesadas sobrancelhas . Narigudão , cara vermelha – mais vermelha ainda por conta do efeito da pinga - , e fumava um cigarro atrás do outro . Era sério , difícil fazer piadinhas . Dentre todos ali , era o qual mais me passava seriedade . E foi da boca de Badú que ouvi um causo sobre o Saci que até hoje é o que mais me intriga .
A prosa do momento era sobre pescaria . Falavam que em tal local estaria “ pegando bem ”. Dicas de isca daqui , sugestões de como chegar dali ... e assim o papo corria . E correu até o assunto sobre pescaria de bagres ( já que o tempo andou chuvoso durante a semana e era propício a esse tipo de pesca ). No vácuo do assunto , um dos senhores ali presente , de pronta batida , sugere :
- “ Pá bagre deve tá bão lá na cascatinha do Monte Belo ”.
Monte Belo fica na área rural da cidade . Um composto de lagos e mata . De encanto ímpar , o local citado trata-se de uma pequena cascata que recebe água de um lago bem próximo . Explicando de uma forma simples , seria : Uma estrada de terra . De um lado , o lago com uma margem exposta e rodeado por árvores . Do outro , a cascata com um pequeno lago – de aproximadamente 4 metros de diâmetro - , cercada por um bambuzal denso .
Porém , antes de qualquer palavra entusiasmada ser entoada por alguém - querendo marcar uma pescaria ali , por exemplo - , Badú toma a frente e exclama :
- “ Rapai ! Fiquei sabendo dum acontecido nessa cascata que vô falá pro cê ... Coisa feia , feia , feia !”. Nisso , todos se emudeceram e voltaram o olhar para Badú , como se estivessem pedindo : “ Então conte logo !”.
E Badú - parecendo já entender o sinal da empolgação dos presentes - , prossegue :
- “ Esses dias um rapai me contô sobre um acontecido nessa cascata . Nói tava falando de pescá bagre , também ... Mema coisa de agora ... Daí ele meio que rodeou , rodeou ... Como se num quisesse falá e tar .” Explicava .
Um dos senhores que acompanhava a conversa palpita ansiosamente : - “ Mataro gente lá ?” Badú arremata - cerrando os olhos e abaixando o tom de voz : - “ Que nada ... coisa de Saci .” Nisso minha atenção - que andava um pouco dispersa devido ao canto de um azulão - , voltou-se totalmente ao assunto . “ Saci ?!” Pensei , achando certa graça da situação .
Porém , reparei que todos os senhores que acompanhavam a conversa mantiveram o semblante sério . Demonstravam ainda mais curiosidade e , também , um certo receio ou talvez certo respeito perante aquilo . Percebi que não seria uma história cômica - como pré-moldei de início . Badú prosseguia : - “ Ele me disse que um conhecido dele comentô que queria i lá pescá . E bem no finar de semana era lua cheia . Aí o rapai , pro conhecido dele : Ói , mió esperá , viu . A turma vira e mexe fala que ali no bambu aparece saci na noite de lua cheia . Num foi um , ainda . Foi mai de um que já me falô ...” Interpretava , gesticulando com as mãos . E continuou : - “ Aí ele me disse que o rapai num botava fé no que ele tava falano . Lidô , lidô um monte com ele e nada . O rapai até tirô sarro , dizeno que se aparecesse ele topava co bicho , que enfrentava o Saci ... Bão , aí ele num falô mai nada . Dexô queto . Num tentô mai convencê o rapai .” Contou e esboçou uma pausa , pra dar um gole na pinga e acender um cigarro .
Nisso , todos ali ( inclusive eu ), entretidos na