RPL - Revista Portuguesa sobre o Luto 4 | Page 29

Aquilo veio para mim como uma flexa direta no meu peito. Me torturei muito. Nós que perdemos bebé na barriga, nos culpamos muito pela morte. Porque como o bebe estava dentro da gente, devíamos proteger, devíamos saber o que fazer, saber que algo está errado. E fazer de tudo para proteger.

Então nos culpamos. Pelo sofrimento do esposo, por vê-lo infeliz. Nos culpamos por ver nossos filhos tristes que vez ou outra solta que queria a maninha.

E passando-se os meses, tudo, de uma certa forma piora e melhora ao mesmo tempo. Piora porque as pessoas acham que não há mais motivos para você chorar, para você falar sobre o bebé. Ninguém mais fala. Ninguém mais toca no assunto. E no cemitério? Ninguém nunca mais foi... Até as pessoas que foram no velório, esqueceram a localização do túmulo.

E a gente dá uma melhorada para não chorar o tempo todo. Sentir a falta, o tempo todo… Aprendemos a caminhar sem fraquejar, aprendemos a engolir o choro e a levantar a cabeça para que ninguém venha nos julgar.

E temos sim o dia em que a gente se alegra, o dia em que quero sair de casa, passear, ir no parque, ir no cinema. Mas chegando nesses lugares, sempre tem uma pessoa com seu lindo bebé no colo. E bate aquela angustia, aquele vazio. aquela falta do meu bebé. Chega a dar um nó na garganta. Isso não é inveja, não é querer o que o outro tem. Eu apenas queria minha filha.

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