RPL - Revista Portuguesa sobre o Luto 1 | Page 30

Passagem da Minha Anjinha…

Tudo começou numa manhã de sábado. Era um dia lindo! Por volta das 06:00 da manhã vi uma risca, fina como um fio de cabelo de sangue… Depois de duas gravidezes saudáveis, ninguém imagina que isto poderia acontecer… Mesmo sem dor, fui ao hospital. Fui submetida ao exame de toque e a médica disse que estava tudo bem; o sangramento tinha cessado. No entanto, ao tentar ouvir a minha bebé… Não conseguiu… E eu, leiga, pensei que estava tudo bem, pois não tinha dor nem incómodo.

Entrei em contacto com o meu marido, que me tranquilizou dizendo que ela deveria estar numa posição desfavorável… Mas, algo me incomodava, não sei se era sexto sentido ou sentido de mãe. Algo não estava certo. Sabem, aquilo que toda a mãe já presenciou ao fazer uma ecografia? Um coraçãozinho que mais parece um pisca-pisca? Era exatamente isso que eu esperava. Mas, a única coisa que vi naquela tela de computador foi um corpo inerte, numa posição estranha, como se estivesse relaxado, com a cabecinha para trás: parecia estar a boiar…

O médico já sabia pois aquela ecografia era apenas para confirmar a suspeita da médica que me tinha examinado. Pelo olhar dele, eu sabia o que tinha acontecido. Naquele momento, não sei o que aconteceu comigo… Não sei explicar a sensação: parecia que estava no fundo de uma piscina, não conseguia ouvir, não conseguia respirar, estava tão inerte quanto a minha filha!

Penso que foram milésimos de segundos, pois depois daquela sensação estranha que nem sei denominar… Comecei a gritar! Gritei muito! Muito mesmo! Bati no médico, implorei para que ele me fizesse outra ecografia, numa outra máquina (aquela só podia estar avariada!). Como podia a minha filha estar morta, se ela estava dentro de mim? Como era possível? Porquê? Porque é que eu não sentia dor? Não! Aquele aparelho estava avariado! Não era possível!

Foi então que ouvi “A senhora não é exclusiva. Milhares de mulheres perdem os seus filhos, todos os dias. A senhora não é especial”. Voltei a bater no médico. Eu sei que não deveria mas estava muito nervosa e não achei correto ele ser assim, tão grosseiro num momento tão difícil quanto este!

Sai da sala... Eu queria sair dali! Se eu fosse para outro sítio talvez alguém visse que a minha filha estava viva! Liguei para o meu marido, não conseguia falar… As pessoas, naquele hospital, olhavam-me com espanto. Nem sei as palavras que utilizei mas o meu marido também ficou sem voz.

Chegou outra surpresa: a minha filha estava morta há dias! Mas como assim morta? Morta mesmo? Ou morta mais ou menos? Não conseguia entender. Nem o médico a explicar-me, pois não existiam motivos aparentes. O único sinal que o meu corpo deu foi um fio de sangue… Mas como? Se ainda ontem ela se mexeu? Ontem? Ou será que foi

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