O caminhonaço é o indício de que, na falta de governo, qualquer
grupo pode se apossar do país, impor a todos as suas conveniên-
cias e impedir o livre e justo exercício dos direitos de cada qual.
Nossa democracia unidimensional anseia por autoritarismo.
À beira do abismo
Os impasses desta hora política nem sempre têm tido a crítica
devida e apropriada daqueles que restam de um tempo em que se
fazia política com lucidez e patriotismo. Hoje o país, com dificul-
dade, garimpa competências nos escolhos do que sobrou de uma
grande promessa que foi a do Brasil político arquitetado pelos
constituintes de 1988.
Vista da beira do abismo em que nos encontramos hoje, a
Constituição e suas leis se tornaram menos cidadãs do que supu-
nha Ulysses Guimarães. Seu uso oportunista encheu de brechas
as liberdades nela consagradas. Milhões de brasileiros ficaram de
fora das mínimas possibilidades de inserção social e de superação
de uma situação teimosamente adversa. Somos ótimos em fazer
leis que, não raro, já nascem viciadas por brechas que, nas forma-
lidades judiciais aparentemente corretas, serão relativizadas e
amenizadas. Aqui a Constituição e as leis aparentemente estão
nas entrelinhas.
Constituição vulnerável também porque, em nome de uma
concepção simples de liberdade, acolheu o que havia de pior e
mais antimoderno na tradição política brasileira, o localismo e o
clientelismo da troca de favores. Parlamentares agindo com
frequência em causa própria, viabilizando uma casta antidemo-
crática que se alimenta de privilégios inaceitáveis. Os de um país
que se demora na autoindulgência iníqua e antidemocrática de
que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais.
O povo brasileiro foi colocado de joelhos diante da falta de
alternativas, a não ser a de optar entre as que lhe são impostas
justamente pelos próprios aproveitadores. Em ano eleitoral, não
há nenhum indício de uma saída que nos afaste da proximidade
do precipício.
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José de Souza Martins