Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 80

O caminhonaço é o indício de que, na falta de governo, qualquer grupo pode se apossar do país, impor a todos as suas conveniên- cias e impedir o livre e justo exercício dos direitos de cada qual. Nossa democracia unidimensional anseia por autoritarismo. À beira do abismo Os impasses desta hora política nem sempre têm tido a crítica devida e apropriada daqueles que restam de um tempo em que se fazia política com lucidez e patriotismo. Hoje o país, com dificul- dade, garimpa competências nos escolhos do que sobrou de uma grande promessa que foi a do Brasil político arquitetado pelos constituintes de 1988. Vista da beira do abismo em que nos encontramos hoje, a Constituição e suas leis se tornaram menos cidadãs do que supu- nha Ulysses Guimarães. Seu uso oportunista encheu de brechas as liberdades nela consagradas. Milhões de brasileiros ficaram de fora das mínimas possibilidades de inserção social e de superação de uma situação teimosamente adversa. Somos ótimos em fazer leis que, não raro, já nascem viciadas por brechas que, nas forma- lidades judiciais aparentemente corretas, serão relativizadas e amenizadas. Aqui a Constituição e as leis aparentemente estão nas entrelinhas. Constituição vulnerável também porque, em nome de uma concepção simples de liberdade, acolheu o que havia de pior e mais antimoderno na tradição política brasileira, o localismo e o clientelismo da troca de favores. Parlamentares agindo com frequência em causa própria, viabilizando uma casta antidemo- crática que se alimenta de privilégios inaceitáveis. Os de um país que se demora na autoindulgência iníqua e antidemocrática de que todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais. O povo brasileiro foi colocado de joelhos diante da falta de alternativas, a não ser a de optar entre as que lhe são impostas justamente pelos próprios aproveitadores. Em ano eleitoral, não há nenhum indício de uma saída que nos afaste da proximidade do precipício. 78 José de Souza Martins