Riscos que nos ameaçam PD50 | Page 79

era nem é a de verdadeiro partido. Era e é uma colagem. Foi eficaz durante o curto tempo do primeiro mandato de Luiz Inácio, antes do desastre do mensalão, abrindo brecha num sistema político impermeável aos novos sujeitos e dominado por agrupamentos de interesse e de famílias radicados em nosso provincianismo. Ou nas corporações econômicas, como a dos proprietários de terra. Hoje a proporção de fazendeiros na composição do Congresso Nacional é superior à da sua proporção no conjunto da população brasileira. Extensas parcelas do povo sequer estão representadas no Legislativo e no governo. Como se vê também na multiplicação de agentes religiosos na representação política, os atributos identitários de segundo plano, extrapolíticos, como os confessionais, emergiram no primeiro plano da ação política para ocupar o vazio e o esvaziamento do Estado e o derretimento da política. Não é estranho, pois, que em face dos impasses do momento atual, de supressão dessa mediação precária, o governo não tenha conseguido, prontamente, identificar os interlocutores do protesto e estabelecer com eles uma pauta de negociação que superasse a crise. Deixou que o bloqueio se arrastasse, se multiplicasse e, mesmo, se deixasse manipular por interesses e vontades invisí- veis, em poucas horas tornando complicado o entendimento. A tentativa tardia de negociar revelou que se sentaram à mesa da negociação pessoas que pouco ou nada representam, os autô- nomos do setor de transportes. Eles não falam em nome das forças ocultas que parecem manipular o movimento e suas demandas. O que parecia uma greve ganhou forma de locaute de supostos grupos poderosos, que usurparam a causa dos autônomos. Ficou problemático negociar com as forças ocultas do protesto. A maior revelação do episódio é a do espontaneísmo dos descontentes que viabilizou o protagonismo explícito dos autôno- mos, mas também um enigmático protagonismo oculto. Pode-se ver que na disseminação do espontaneísmo político no Brasil a política agoniza, sacrificada tanto pelos próprios políticos quanto pelo povo partidarizado e sectarizado, mas despolitizado. Nas manifestações destes dias, o apelo explícito à intervenção militar no governo mostra que a militância tosca e ingênua concebe a política como instrumento do retrocesso ao passado, e não como progresso e superação de problemas e de atrasos. O caminhonaço 77