Mel de origem
Muito além dos potes de mercado , abelhas nativas produzem méis complexos , que expressam o lugar onde vivem , a terraa , o clima e , claro , as flores da região . Por aqui , são mais de 300 espécies fabricando esse alimento cada vez mais valorizado nos pratos .
TEXTO : Rafael Tonon ILUSTRAÇÃO : Paola Viveiros
“ VENHAM VER como dão mel as abelhas do céu ”, bradou Vinícius de Moraes , o nosso poetinha , sobre o extraordinário alimento produzido por essas pequenas operárias voadoras . Queira me perdoar , Vinicius , mas , para falar dele , o plural é fundamental . “ Mel ”, assim , no singular , diz pouco sobre o trabalho alquímico que esses insetos têm de alterar a química do açúcar retirado das flores . No plural , “ méis ” ou “ meles ” ( as duas formas são aceitas na nossa ortografia ) parecem ser palavras mais apropriadas , porque muito além do mel que encontramos nas prateleiras do mercado ( feito exclusivamente pela espécie Apis mellifera , aquela listrada de amarelo e preto tão comum e com ferroada dolorida ), há uma diversidade enorme de méis que outras espécies sem ferrão fabricam de forma mais , digamos , silvestre , vagando de flor em flor . Só no Brasil são de 200 a 250 espécies capazes de produzir mel – de cerca de 350 existentes nas Américas . O país é o maior em variedade apiária do mundo , um patrimônio e tanto . Uma variedade que resulta , claro , em uma diversidade de sabores . Jataís , tiúbas , mandaguaris , mandaçaias , uruçus , jandaíras e outras meliponas ( como são chamadas as abelhas sem ferrão ) produzem méis bem diferentes uns dos outros , todos com as características do local onde são feitos – a depender do clima , do solo e , principalmente , das flores . Mel também é produto de terroir , como o vinho . Mesmo aqueles produzidos por abelhas das mesmas espécies em localidades diferentes ( ainda que a alguns meros quilômetros de distância uma da outra ) podem ter características sensoriais bem diversas . Nenhum mel é igual ao outro , cada um carrega a própria “ impressão digital ” de onde é feito . E é essa profusão de sabores que tem despertado a curiosidade e o interesse de cozinheiros nacionais de olho na riqueza que as nossas abelhas nativas podem proporcionar .
Uma questão de produção As abelhas exóticas – como são conhecidas as da espécie Apis mellifera – foram introduzidas no país em dois momentos : primeiro no século 19 , pelos jesuítas , e depois na década de 1950 . Elas se adaptaram muito bem ao nosso continente , se propagando com facilidade . O mel produzido por elas monopolizou os potes da nossa despensa principalmente por um motivo : volume de produção . Essas abelhas bicolores são capazes de produzir 60 quilos de mel por ano por colmeia , enquanto que a média anual de produção das nativas não excede os 3 quilos – são bem menos produtivas . As melhores colmeias nativas brasileiras , que são
SETEMBRO 2017 • vida simples