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muito bem manejadas, não passam dos 5 quilos. Isso torna esses produtos mais raros e limitados às comunidades locais, de pequenos produtores, para uso próprio ou comércio em quantidades pequenas. O mel das abelhas exóticas é mais doce e denso, e o das nativas, mais líquido e geralmente mais ácido. “Essa maior quantidade de água dá ao mel uma maior instabilidade, ou seja, uma capacidade de fermentar, inclusive na garrafa – o que cria nos méis um complexo e interessante sabor acético que depois se estabiliza. Os produtores lançam mão de técnicas para deixar esses méis mais estáveis até chegarem ao consumidor”, explica o ecólogo e mestre em gerenciamento ambiental Jerônimo Villas-Bôas. Ele começou a se interessar pelas abelhas ainda na faculdade e dedicou sua tese de conclusão de curso e Mel também é produto de terroir, como o vinho. Mesmo aqueles produzi- dos por abelhas das mesmas espécies em localidades diferentes podem ter características sensoriais bem diversas. seus estudos posteriores a esses pequenos insetos – e a relação que eles têm com os biomas e as comunidades onde estão inseridos. O mel produzido pelas abelhas nativas, tecnicamente, nem pode ser considerado mel segundo a legislação brasileira –  e essa discussão se arrasta entre Ministério da Agricultura, produtores e comerciantes. Somente dois estados (Amazonas e Bahia, além de um avanço maior por parte do Paraná) têm legislações formatadas sobre a produção desses méis, ainda que com abordagens bem diferentes. Porém, ainda é preciso avançar muito em resoluções mais claras e certificações, tanto em relação à produção quanto à comercialização. “No país do agronegócio, méis nativos são um assunto marginal, né?”, afirma Villas-Bôas. É muito recente a atenção do mercado consumidor urbano para esses méis. “Agora é que estão sendo criadas cadeias produtivas capazes de organizar a fabricação e para colocar esse tipo de mel no mercado, felizmente”, diz Villas-Bôas. Esse é um passo fundamental para Mesmo insetos que pertencem à mesma família podem produzir méis diversos, com sabores também varia- dos. que esses méis sejam mais conhecidos e propagados e, assim, se olhe para eles com mais atenção – tanto por parte de produtores econsumidores quanto do governo. Esse crescente interesse é fundamental. E muitos apostam justamente na gastronomia como uma forma de fazer esses produtos serem mais valorizados, como já aconteceu com o vinho ou mesmo o azeite.  Sabor de mel O empresário e consultor Eugênio Basile começou a se interessar por méis quando passou a estudar uma forma de inserir a esposa, Ana, nas atividades da fazenda que eles mantêm em Atibaia, no interior do estado, onde cultivam, entre outras coisas, o eucalipto. A princípio começaram pelo mel de ápis, como muitos produtores, para diversificar a atividade nas terras. Mas, ao mergulhar mais nos estudos desses alimentos e conhecer os méis silvestres, foi picado pela ideia de propagar a diversidade das abelhas sem ferrão. Começaram, então, a produzir também mel de jataí e a buscar outras pessoas que trabalhavam com abelhas por todo o Brasil. Surgiu, assim, a MBee, uma empresa que produz e comercializa diversos méis, garimpados entre produtores em várias regiões do país. “Nossa ideia é formar o consumidor para esses méis, aumentar o interesse por eles”, explica. Nas degustações que promove, Eugênio diz que, ao provar os méis nativos, as pessoas se surpreendem com os sabores: alguns mais doces, outros com alto teor de acidez. Cada um, enfim, com sua complexidade única. Basile aposta no potencial desses m éis na culinária, e quer atrelar a imagem deles a um rico produto gastronômico – porque os alimentos não carregam apenas seus aromas e sabores, mas toda a relação de onde foram cultivados, a história de seus produtores, a identidade da região de onde advêm. De fato, o mel começa a mostrar seu sabor, força e delicadeza como ingrediente que vai além da salada de frutas. E aparece, assim, em carnes, saladas, entre outras receitas. “Muitos chefs já têm usado esses méis. Isso é importante, porque eles são propagadores de ingredientes. Agora, com a valorização da gastronomia brasileira, é gratificante vê-lo como um produto dessa diversidade que o Brasil carrega como bandeira na culinária”, afirma. O chef Ivan Ralston, do restaurante paulistano Tuju, tem usado os méis nativos em suas composições SETEMBRO 2017• vida simples