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Entrevista - Ricardo Abramovay e a riqueza do lixo
Em 2014, a Política Nacional de Resíduos Sólidos entrará em vigência
e, com ela, uma nova era para o destino do lixo e a forma como o
descartamos. O sociólogo Ricardo Abramovay, que lançou publicação
sobre o tema este ano, comenta como isso deve acontecer, destacando
a urgência de frear o consumo de recursos naturais e estimular a
reciclagem.
Entrevista concedida ao Especial Lixo National Geographic – 12/2013
Afonso Capelas Jr. e Matthew Shirts
Responsabilidade compartilhada, poluidor-pagador, logística reversa.
Daqui em diante vamos conviver com esses e outros termos até agora
estranhos. Eles passam a fazer parte do cotidiano dos brasileiros e
revelam uma nova era na destinação do lixo, com o início da vigência,
a partir de meados de 2014, da Política Nacional de Resíduos Sólidos
(PNRS). Ela prevê o fim dos malcheirosos lixões a céu aberto e a
certeza de que a sociedade terá papel decisivo na destinação adequada
do lixo. Inclusive o cidadão comum.
Quem revela o significado dessas expressões e como será a vida
Qual é o ponto crucial da Política Nacional de Resíduos
Sólidos?
É a chamada responsabilidade compartilhada. Ela sinaliza que
estamos todos incumbidos de dar destinação correta ao lixo
produzido: as prefeituras, os governos estaduais e federal, as
empresas e o próprio consumidor. É importante delimitar em
que consiste o compromisso de cada um; sobretudo, saber
quem paga a conta. Para o consumidor, a responsabilidade
compartilhada exige que ele separe seu lixo, preparando-o para
a reciclagem, sob pena de multa. A lei prevê também o
conceito da responsabilidade estendida. Com ela, o produtor
ou o importador (denominados poluidores-pagadores) terão de
responder pelo envio apropriado dos rejeitos do que venderem
ao consumidor final, incluindo a estruturação da logística
reversa – o recolhimento e a devida reciclagem desses produtos pós-consumo –, para que tenham destinação mais adequada
que não os aterros.
Será preciso fazer campanhas para conscientizar o consumidor?
Sim. A experiência internacional mostra que o consumidor só
faz a parte dele quando recebe boa educação ambiental. Na
Europa, as empresas gastam muito dinheiro com publicidade
pedagógica, e aqui será preciso fazer o mesmo. Também é
necessário ter um sistema de coleta coerente com essa nova
obrigação do consumidor. Em muitas cidades brasileiras é
frequente as pessoas mais conscientes fazerem a triagem de
seu lixo domiciliar e depois constatarem que o caminhão da
coleta mistura todos os rejeitos de novo. Isso desmoraliza o
processo. É mais um fator institucional, que precisa ser organizado de forma coerente nos municípios por três atores importantes: as prefeituras, os catadores e as empresas.
O senhor concorda com o pagamento de uma taxa sobre os
resíduos produzidos pelo consumidor?
É polêmico, mas creio que essa deva ser outra responsabilidade das pessoas. Na cidade de São Paulo, a taxa chegou a ser
cobrada, anos atrás, e depois foi suspensa. Houve o erro de
demonizar essa cobrança, e sua suspensão foi tratada pelos
paulistanos como uma vitória da cidadania. Mas a taxa do lixo
continua sendo paga, agora embutida no imposto predial e
territorial urbano (IPTU). Sem a cobrança explícita, as prefeituras não podem premiar quem faz a separação correta de seu
lixo nem oferecer incentivos às pessoas que produzem menos
resíduos e promovem a reciclagem.
Quem irá financiar o sistema de logística reversa?
Serão os fabricantes e importadores; por isso, agora são
chamados de poluidores-pagadores. O sistema já é praticado,
de forma eficiente, no Brasil, com pneus, embalagens de óleos
combustíveis e de agrotóxicos, além de baterias automotivas.
Esses cinco setores privados organizam e pagam os custos da
coleta e da reciclagem dos produtos, antes mesmo da nova lei.
Em meus tempos de criança, o que mais se encontrava nos rios
Pinheiros e Tietê, em São Paulo, eram pneus velhos. Hoje, eles
são reciclados. Há uma agência chamada Reciclanip
responsável por essa tarefa. No caso das embalagens de
agrotóxicos, o setor gasta R$ 80 milhões por ano para organizar sua logística reversa. A dificuldade maior está em produtos
com venda descentralizada e descarte domiciliar.