Revista Tecnicouro - Edição 313: comepleta Ed. 316 - completa (Jan/Fev) – 2020 | Page 70

OPINIÃO C olunista Tributação de grandes salários: e não é que Johnny tornou-se artista (sem arte)! P Bastava negociar com a TV Superação, na ara aqueles que imaginavam que qual costumava realizar alguns anúncios. Johnny havia atingindo seu ápice, Transformou-se, pois, em um apresentador criando novilhos e exportando-os e entrevistador que relatava seus feitos e para Terra dos Otomanos, uma surpresa, angariava novos fiéis para sua próspera que, com o perdão do pleonasmo, certa- religião. Para inovar, seu programa era en- mente surpreenderá aos incrédulos das cerrado com tiros para o ar (com balas de façanhas alheias. Os incautos invejosos festim) dados por ele e seus entrevistados, estavam condenados ao sofrimento, pois, enquanto a plateia, em delírio, gritava pelo afinal de contas, nada era impossível para deus da Non Mortis. alguém que, como ele, crê e nunca desiste Como outrora, Johnny consultou seu dos seus sonhos (como lhe dissera seu co- supertributarista para saber se teria que ach especializado em padarias). De advo- pagar “alguma coisa” para o governo. gado, que singelamente sonhara com um Este lhe explicou que o novo apresenta- jatinho, Johnny fundara a primeira religião dor não seria apenas empregado da TV a assegurar a eternidade na Terra (a Non Superação. Constituiria uma “sociedade Mortis); depois disso, investira na minera- PhD. Marciano Buffon doutor em Direito, advogado tributarista, individual” (seu coach de novos empreen- ção e terminara por criar gado. Tudo isso, professor da Unisinos dimentos achou engraçado e pensou se sem ser admoestado pelo fisco e pelas leis [email protected] tratar de uma piada do “além-mar”, a tal daquele país, que se notabilizara por sua sociedade de um só e disse: “bons ventos incrível capacidade de dividir a renda da população (às avessas). Claro que ele não acreditava nessas esta- estão soprando e logo será possível casar consigo próprio”). Como essa “sociedade” prestaria serviços, não haveria aquilo de deduzir tísticas. Porém, nosso personagem andava triste e desiludido, desde imposto e contribuição do salário a ser pago. “Bem coisa de em- que descera, com seu jatinho, em Momai Beach e ninguém o per- pregado isso”, bradou Johnny, mas logo foi corrigido por seu coach cebera na sala de desembarque do aeroporto (mesmo usando um de palavras politicamente corretas da moda: “colaborador”. Claro, combo de flamante chapéu vermelho e botas de couro de pele que para evitar problemas, a TV registraria na “carteira de colabo- de cobra); enquanto um apresentador de TV e um digital influen- ração” de Johnny (há muito não usada) dois salários mínimos por cer dividiam as atenções de um grupo de “cidadãos de bem”, que mês e a vultosa quantia restante seria paga pela exploração da haviam emigrado de Terrae Brasilis para viver o american dream, imagem do nosso indefectível personagem. Sua empresa faria a mas até aquele momento estavam frustrados, pois não haviam opção pela tributação presumida e, ao invés de pagar pró-labore, sido muito bem aceitos e, além disso, eram confundidos com distribuiria lucros, sem quaisquer incidências de impostos e contri- “cucarachas” por aqueles que veneravam o então presidente dos buições. Seu advogado lhe explicou que isso era muito comum no meio artístico e, sobretudo, entre os jogadores de “calcio” daquele States - Mrs. Topete. Voltara ao seu país - acompanhado de uma garbosa donzela país. “Tudo dentro da lei!” Johnny curou sua depressão. Ficou a imaginar como olharia que lhe devotava amor verdadeiro - e seu médico se recusara a lhe prescrever o novo antidepressivo da moda. Vivendo uma crise exis- com desprezo para aqueles que outrora não desejaram fotos em tencial sem precedentes, consultara seu coach para reinvenção. sua companhia para postar em redes sociais. Com sua face repleta Embora isso lhe custasse o equivalente a muitos meses de salários de reparos brilhosos, com dicas infalíveis (inclusive no “voceno- de seus peões, Johnny não se importara, mesmo porque, pensa- tubo”) e entrevistas regadas a “tiros para o ar”, queria ver aquela va ele, “esta estória de ter que buscar conhecimento em livros é gentalha suplicando-lhe atenção. Agora sim, seria invejado, não algo de gente ultrapassada, sem grana, com tempo para perder só pelo dinheiro, mas também por seu incrível “talento” e poderia e, pasmem, ainda acredita que palavras escritas possam mudar as encontrar outra moça com novas frases cultas, que ainda achasse pessoas”. Só se fossem dicas infalíveis, daquelas que sua atual ama- belo seu bíceps flácido e sua barriga protuberante, os quais seu da se orgulhava saber e atraía atenções (para além de sua beleza incompetente cirurgião plástico não conseguira consertar. “Afinal, artificial) em jantares de negócios, quando repetia umas dez frases sou Johnny, tudo posso e sou do meio artístico!” Depois de terminar de sorver a bebida da moda da última se- que aprendera em um pequeno livro. “Moça culta essa”, pensava Johnny, enquanto a ouvia dizer: “não tenha receio de desistir do mana, teve um pequeno surto de felicidade e, finalmente, acredi- bom para correr atrás do ótimo”, de um tal de John (quase igual tou que sua religião poderia estar certa. Fora o escolhido, por seu deus, para ser iluminado, invejado e viver para sempre! Enfim, não a ele)! Foi quando decidiu ser um artista. O problema é que, até en- precisaria sequer ter grana para negociar com a morte, quando tão, ninguém, exceto seus substituíveis amores verdadeiros, havia esta injustamente batesse a sua porta e o quisesse levar para outro percebido nele algum talento. Porém, isso poderia ser resolvido. lugar que não fosse a sua Terra plana, onde acreditava viver.