MATÉRIA DE CAPA
um pode, ao se deparar com um acidente re-
cém-ocorrido, efetuar todos os procedimen-
tos ao seu alcance, inclusive médicos, para
auxiliar quem estiver precisando de ajuda
naquela situação, mas para que estes mes-
mos procedimentos sejam desempenhados
profissionalmente somente um médico está
autorizado, sob pena de o autor incorrer no
crime de exercício ilegal da medicina.
No Brasil há mais vigilante em atividade e
cadastrados na Polícia Federal do que todo
o efetivo policial de todas as esferas de go-
verno consideradas, sendo que boa parte
deste universo é composto de vigilantes que
atuam em postos de serviço desarmados. A
propósito, o gráfico abaixo é esclarecedor
(embora hoje os vigilantes em atividade e
cadastrados na Polícia Federal já passem
dos 700.000): Grande parte das ocorrên-
cias criminosas envolvendo a atividade de
segurança privada ocorre no âmbito da se-
gurança irregular (sem autorização da PF),
tendo em vista a falta de qualquer controle
da atividade e dos indivíduos prestadores
do serviço. Estudo realizado pelo cientista
político Cleber da Silva Lopes (in “Como
se Vigia os Vigilantes – o controle da Po-
lícia Federal sobre a segurança privada” –
resumo de dissertação de mestrado com o
mesmo título) sugere que aproximadamen-
te 62% dos abusos envolvendo a atividade
de segurança privada, “estão concentrados
no universo informal do policiamento pri-
vado”, isto é, praticados por “seguranças”,
“vigias”, “guardas-noturnos”, sendo que
apenas 38% foram efetivamente pratica-
dos por vigilantes (como visto acima, este
é profissional autorizado por lei a realizar
atividades de segurança privada, controla-
dos pela Polícia Federal). Registra o refe-
rido estudo que os crimes praticados são
variados, mas concentram-se especialmen-
te na prática de ameaças, lesões corporais
e ofensas verbais (crimes contra a honra).
Vários são os prejuízos advindos da presta-
ção não autorizada de serviços de segurança
privada, mas é possível citar como os mais
relevantes, aqueles causados sob três óticas:
a) Prejuízos ao Estado: serviços não auto-
rizados não arrecadam tributos ao Estado
e facilitam a manutenção de contratos ir-
regulares de trabalho; b) Prejuízos ao seg-
mento regular da segurança privada: além
da óbvia concorrência desleal causada
pelo oferecimento de um serviço totalmen-
te irregular e, portanto, mais barato, já que
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Revista SESVESP
livre de quaisquer encargos ou controle es-
tatal, toda vez que um “segurança” comete
qualquer tipo de abuso, as pessoas comuns
não diferenciam sua característica de clan-
destino, manchando toda a categoria da se-
gurança privada, que se vê colocada numa
vala comum. Como as ocorrências de abu-
sos por “seguranças” são estatisticamente
muito superiores aos atos ilícitos envol-
vendo vigilantes, a imagem do setor legal
é constante e injustamente dilapidada. De
outro lado, os vigilantes regularmente cadas-
trados na Polícia Federal terão concorrência
de trabalhadores sem qualquer formação e
capacitação na área de segurança privada;
c) Prejuízos para a sociedade: crescimen-
to de práticas abusivas na atividade de
segurança privada (agressões, racismo,
homicídios). Corre-se o risco, ainda, de
se criar embriões de organizações crimi-
nosas, exércitos particulares, etc, obscu-
recendo a fronteira entre o público e o pri-
vado em evidente prejuízo social. Outro
aspecto relevante é o perigo de cooptação
destes “seguranças” para a prática de cri-
mes, muitas vezes em detrimento do pró-
prio objeto de seu trabalho. Sobre o tema,
segue em anexo trechos de notícias de
jornais dando conta de delitos praticados
por indivíduos que mesmo sem utilizar
arma de fogo, causaram grande prejuízo à
liberdade e incolumidade física de tercei-
ros (espancamentos e homicídios).
Não há dúvida, no entanto, de que decisões
do Superior Tribunal de Justiça - STJ tem
exarado posicionamento em sentido con-
trário ao acima esposado, considerando
ser desnecessária a autorização e fiscali-
zação do Poder Público em atividades de
segurança privada realizadas sem armas
de fogo. Recente manifestação do Coor-
denador-Geral de Controle de segurança
Privada resume bem a controvérsia insta-
lada (registrada no Despacho nº 724/2012-
DELP/CGCSP- grifou-se): “Conforme já
tratado com Vossa Senhoria, é muito preo-
cupante a situação atual referente a ques-
tão polêmica envolvendo a eliminação do
controle de determinada atividade de se-
gurança privada – vigilância desarmada
residencial e comercial, conforme reitera-
das decisões judiciais nesse sentido, cujo
cenário está a demandar decisão do DG/
DPF e do MJ acerca dos rumos da segu-
rança privada no Brasil, senão vejamos:
(...)
1) ENTENDIMENTO DA POLÍCIA FE-
DERAL - A Polícia Federal tem atri-
buição definida pela Lei nº 7.102/83 e
Decreto nº 89.056/83 para autorizar e
fiscalizar as atividades de segurança
privada, definidas pelo art. 10 da citada
Lei (vigilância patrimonial em estabele-
cimentos públicos e privados, segurança
de pessoas físicas, transporte de valores,
escolta armada e atividade de formação
de vigilantes). - No entender desta CG-
CSP a fiscalização da atividade de segu-
rança privada abrange tanto as empresas
especializadas e orgânicas devidamente
autorizadas pelo Poder Público, quan-
to aqueles (pessoas físicas ou jurídicas)
que, sem a devida autorização, passam a
exercer alguma das atividades típicas de
segurança privada, comumente denomi-
nadas “clandestinas”. De fato, a Polícia
Federal não fiscaliza apenas as empresas
do segmento, mas sim a atividade como
um todo. - A Polícia Federal, no entan-
to, não fiscaliza a atividade realizada por
“vigias de rua”, visto que as áreas de uso
comum do povo não se encaixam no con-
ceito de “estabelecimento” referido no
art. 10, inciso I, da Lei nº 7.102/83, po-
dendo caracterizar usurpação de função
pública, eis que compete à Polícia Militar
realizar as funções de polícia ostensiva e
de preservação da ordem pública (art.
144, § 6º da CF).
2) DECISÕES JUDICIAIS EM SENTIDO
CONTRÁRIO - Nos últimos anos inten-
sificou-se disputa judicial contestando a
atribuição da Polícia Federal para autori-
zar e fiscalizar empresas especializadas e
serviços orgânicos de segurança que não
utilizam arma de fogo. - O STJ vem exa-
rando posicionamento neste sentido, con-
trário ao entendimento da Polícia Federal.
Veja alguns julgados: REsp 1252143 / SP
RECURSO ESPECIAL 2011/0101663-1
Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES (1141) Órgão Julgador T2 -
SEGUNDA TURMA Data do Julgamento
28/06/2011 Data da Publicação/Fonte
DJe 03/08/2011 Ementa ADMINISTRA-
TIVO. PODER DE POLÍCIA. SUPER-
MERCADO. VIGILÂNCIA NÃO OSTEN-
SIVA. ART. 10, § 4º, DA LEI N. 7.102/83.
INAPLICABILIDADE. 1. Trata-se, na ori-
gem, de mandado de segurança impetrado
para afastar as regras previstas pela Lei
n. 7.102/83, que cuida especificamente de