Revista Sesvesp Ed 144 | Page 20

MATÉRIA DE CAPA um pode, ao se deparar com um acidente re- cém-ocorrido, efetuar todos os procedimen- tos ao seu alcance, inclusive médicos, para auxiliar quem estiver precisando de ajuda naquela situação, mas para que estes mes- mos procedimentos sejam desempenhados profissionalmente somente um médico está autorizado, sob pena de o autor incorrer no crime de exercício ilegal da medicina. No Brasil há mais vigilante em atividade e cadastrados na Polícia Federal do que todo o efetivo policial de todas as esferas de go- verno consideradas, sendo que boa parte deste universo é composto de vigilantes que atuam em postos de serviço desarmados. A propósito, o gráfico abaixo é esclarecedor (embora hoje os vigilantes em atividade e cadastrados na Polícia Federal já passem dos 700.000): Grande parte das ocorrên- cias criminosas envolvendo a atividade de segurança privada ocorre no âmbito da se- gurança irregular (sem autorização da PF), tendo em vista a falta de qualquer controle da atividade e dos indivíduos prestadores do serviço. Estudo realizado pelo cientista político Cleber da Silva Lopes (in “Como se Vigia os Vigilantes – o controle da Po- lícia Federal sobre a segurança privada” – resumo de dissertação de mestrado com o mesmo título) sugere que aproximadamen- te 62% dos abusos envolvendo a atividade de segurança privada, “estão concentrados no universo informal do policiamento pri- vado”, isto é, praticados por “seguranças”, “vigias”, “guardas-noturnos”, sendo que apenas 38% foram efetivamente pratica- dos por vigilantes (como visto acima, este é profissional autorizado por lei a realizar atividades de segurança privada, controla- dos pela Polícia Federal). Registra o refe- rido estudo que os crimes praticados são variados, mas concentram-se especialmen- te na prática de ameaças, lesões corporais e ofensas verbais (crimes contra a honra). Vários são os prejuízos advindos da presta- ção não autorizada de serviços de segurança privada, mas é possível citar como os mais relevantes, aqueles causados sob três óticas: a) Prejuízos ao Estado: serviços não auto- rizados não arrecadam tributos ao Estado e facilitam a manutenção de contratos ir- regulares de trabalho; b) Prejuízos ao seg- mento regular da segurança privada: além da óbvia concorrência desleal causada pelo oferecimento de um serviço totalmen- te irregular e, portanto, mais barato, já que 20 Revista SESVESP livre de quaisquer encargos ou controle es- tatal, toda vez que um “segurança” comete qualquer tipo de abuso, as pessoas comuns não diferenciam sua característica de clan- destino, manchando toda a categoria da se- gurança privada, que se vê colocada numa vala comum. Como as ocorrências de abu- sos por “seguranças” são estatisticamente muito superiores aos atos ilícitos envol- vendo vigilantes, a imagem do setor legal é constante e injustamente dilapidada. De outro lado, os vigilantes regularmente cadas- trados na Polícia Federal terão concorrência de trabalhadores sem qualquer formação e capacitação na área de segurança privada; c) Prejuízos para a sociedade: crescimen- to de práticas abusivas na atividade de segurança privada (agressões, racismo, homicídios). Corre-se o risco, ainda, de se criar embriões de organizações crimi- nosas, exércitos particulares, etc, obscu- recendo a fronteira entre o público e o pri- vado em evidente prejuízo social. Outro aspecto relevante é o perigo de cooptação destes “seguranças” para a prática de cri- mes, muitas vezes em detrimento do pró- prio objeto de seu trabalho. Sobre o tema, segue em anexo trechos de notícias de jornais dando conta de delitos praticados por indivíduos que mesmo sem utilizar arma de fogo, causaram grande prejuízo à liberdade e incolumidade física de tercei- ros (espancamentos e homicídios). Não há dúvida, no entanto, de que decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ tem exarado posicionamento em sentido con- trário ao acima esposado, considerando ser desnecessária a autorização e fiscali- zação do Poder Público em atividades de segurança privada realizadas sem armas de fogo. Recente manifestação do Coor- denador-Geral de Controle de segurança Privada resume bem a controvérsia insta- lada (registrada no Despacho nº 724/2012- DELP/CGCSP- grifou-se): “Conforme já tratado com Vossa Senhoria, é muito preo- cupante a situação atual referente a ques- tão polêmica envolvendo a eliminação do controle de determinada atividade de se- gurança privada – vigilância desarmada residencial e comercial, conforme reitera- das decisões judiciais nesse sentido, cujo cenário está a demandar decisão do DG/ DPF e do MJ acerca dos rumos da segu- rança privada no Brasil, senão vejamos: (...) 1) ENTENDIMENTO DA POLÍCIA FE- DERAL - A Polícia Federal tem atri- buição definida pela Lei nº 7.102/83 e Decreto nº 89.056/83 para autorizar e fiscalizar as atividades de segurança privada, definidas pelo art. 10 da citada Lei (vigilância patrimonial em estabele- cimentos públicos e privados, segurança de pessoas físicas, transporte de valores, escolta armada e atividade de formação de vigilantes). - No entender desta CG- CSP a fiscalização da atividade de segu- rança privada abrange tanto as empresas especializadas e orgânicas devidamente autorizadas pelo Poder Público, quan- to aqueles (pessoas físicas ou jurídicas) que, sem a devida autorização, passam a exercer alguma das atividades típicas de segurança privada, comumente denomi- nadas “clandestinas”. De fato, a Polícia Federal não fiscaliza apenas as empresas do segmento, mas sim a atividade como um todo. - A Polícia Federal, no entan- to, não fiscaliza a atividade realizada por “vigias de rua”, visto que as áreas de uso comum do povo não se encaixam no con- ceito de “estabelecimento” referido no art. 10, inciso I, da Lei nº 7.102/83, po- dendo caracterizar usurpação de função pública, eis que compete à Polícia Militar realizar as funções de polícia ostensiva e de preservação da ordem pública (art. 144, § 6º da CF). 2) DECISÕES JUDICIAIS EM SENTIDO CONTRÁRIO - Nos últimos anos inten- sificou-se disputa judicial contestando a atribuição da Polícia Federal para autori- zar e fiscalizar empresas especializadas e serviços orgânicos de segurança que não utilizam arma de fogo. - O STJ vem exa- rando posicionamento neste sentido, con- trário ao entendimento da Polícia Federal. Veja alguns julgados: REsp 1252143 / SP RECURSO ESPECIAL 2011/0101663-1 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 28/06/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 03/08/2011 Ementa ADMINISTRA- TIVO. PODER DE POLÍCIA. SUPER- MERCADO. VIGILÂNCIA NÃO OSTEN- SIVA. ART. 10, § 4º, DA LEI N. 7.102/83. INAPLICABILIDADE. 1. Trata-se, na ori- gem, de mandado de segurança impetrado para afastar as regras previstas pela Lei n. 7.102/83, que cuida especificamente de