Revista Sesvesp Ed 144 | Page 18

MATÉRIA DE CAPA rança privada devem ser objeto de autori- zação do Poder Público em todas as suas formas, ainda que sem utilização de arma de fogo. De fato, a Lei preconiza o contro- le da atividade de segurança privada, in- dependentemente do instrumento ou aces- sório utilizado em serviço. O controle da atividade de segurança privada, armada ou não, é imprescindível, considerando que os vigilantes, agindo em nome de particu- lares, podem vir a restringir direitos funda- mentais de outros cidadãos, inclusive com o uso da força, para impedir a ocorrência de crimes ou agir imediatamente após a sua ocorrência. Evidente que o monopólio do uso da força pertence somente ao Esta- do e a quem por ele legalmente autorizado. Note-se que o fundamento primordial para o controle da atividade não é a utilização ou não de armas de fogo, até porque os postos armados não constituem a maio- ria dos contratos, mas o fato de que o que ocorre na prática é a constituição de forças profissionais particulares de segurança, agindo sob comando e para fins privados, e isto evidentemente não pode ser permitido se não for por força de Lei. A Lei 7.102/83 em nenhum momento confunde a utiliza- ção de armas de fogo com o conceito da atividade de segurança privada. Ao contrá- rio, enquanto a definição é encontrada no art. 10, o porte de arma surge apenas no art. 19, II, e como um direito do vigilante cujo exercício se dará a critério do contrato de prestação de serviços (cabe ao cliente, juntamente com a empresa especializada, decidir se o posto de serviço será armado ou não), não se tratando de uma obrigação ou muito menos uma característica intrín- seca da definição da atividade. Junto com o porte de armas, aliás, estão outros direitos como a utilização de uniforme a expensas do empregador e o seguro de vida em gru- po que, evidentemente, não interferem no conceito da atividade e nunca geraram este tipo de questionamento que se tem com as armas de fogo. As armas, ademais, sempre tiveram controle próprio, sendo desneces- sária a própria existência da Lei da segu- rança privada se a razão de sua existência fosse apenas controlar o que já é controla- do por outras leis. Restringir o alcance da Lei e do Decreto à segurança armada, além de ser contrá- rio aos seus termos literais, sistemáticos e teleológicos da norma, importa na legiti- 18 Revista SESVESP mação irrestrita da constituição de corpos de segurança (ou gangues, ou milícias na forma vedada pelo art. 5º, XVII da Consti- tuição Federal) particulares com poder de polícia para a “proteção do patrimônio” – desde que estes não portassem armas de fogo – e tudo sem qualquer controle. O mesmo fundamento pelo qual se au- toriza o funcionamento sem controle de um diminuto corpo de seguranças pri- vados pode e será sendo utilizado para buscar a constituição de corpos maiores e, se o Estado não mantiver o controle restrito deste segmento, além dos funda- mentos de ordem legal e constitucional já mencionados, sua desagregação será apenas questão de tempo e suas conse- quências potencialmente graves, corren- do-se o risco de se perder a distinção en- tre o público e o privado na área de sua influência. No entendimento da Polícia Federal, não é possível que haja uma ca- tegoria de profissionais que, à semelhan- ça dos órgãos policiais, possa, ainda que em situações determinadas, atuar coerci- tivamente sobre a esfera de direitos fun- damentais dos cidadãos absolutamente à margem do controle do Estado, como se fosse uma atividade econômica qual- quer, sem esta peculiaridade. Reafirma- -se que não são os instrumentos (armas, cassetete, etc), que tornam a atividade passível de controle, até porque as armas de fogo e outros produtos controlados já são controlados por leis específicas, mas a essência da atividade em si, que cons- titui exercício privado do poder de po- lícia. Este posicionamento, aliás, já foi submetido ao crivo do Ministério da Jus- tiça, que ratificou o entendimento da Po- lícia Federal através do Parecer nº 16/08/ GAB/CJ/MJ e do Despacho nº 182, de 19 de agosto de 2008, do Ministro da Justiça. A propósito (grifou-se): “(...) 15. Verifica-se que o Ministério da Justi- ça, por meio do Departamento de Polícia Federal, consoante o que dispõe o artigo 32 do Decreto nº 89.056/83 é o órgão estatal responsável para proceder à autorização de funcionamento e fiscalizar as empresas de vigilância. 16. A necessidade da aludida autoriza- ção e fiscalização se dá, por óbvio, em razão da atividade de segurança desem- penhada pela empresa, complementar à segurança pública, dever constitucional do Estado. Por esta razão, deve-se bus- car a orientação que melhor atenda o interesse público, consubstanciado, na espécie, na garantia ao tomador de ser- viço de uma segurança qualificada nos termos da regulamentação do setor. 17. Desta forma, o que importa para a fiscalização do Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Polícia Federal, não é o objeto social da empre- sa, mas a atividade de segurança por ela desempenhada. Registre-se que para os conceitos de segurança privada é irrele- vante a utilização de armas, não sendo este equipamento essencial para a ca- racterização do serviço. 18. Este entendimento é o que se extrai do próprio texto do § 4º do artigo 10, que traz a previsão de submissão das empresas que tenham por objeto econômico atividade diversa de segurança privada, mas que utilizam quadro funcional próprio para o exercício desta atividade. 19. Entender em sentido diverso seria ad- mitir que a atuação do Ministério da Jus- tiça na repressão à ilegalidade no âmbito da segurança privada se limita à fiscaliza- ção das empresas e pessoas que buscam espontaneamente o seu cadastro e regula- rização perante o órgão, ficando fora do seu alcance as empresas que desprezam os preceitos legais, bem como aquelas que, embora possuam segurança própria, não apresentem esta atividade como seu obje- to. Com efeito, o afastamento da interven- ção estatal nesse tipo de atividade seria um grande incentivo à ilegalidade. (...)” Em síntese, no entender da Polícia Fe- deral é indispensável expressa previsão legal para o exercício de atividades de segurança por particulares, face à sua inafastável natureza de potencial restri- ção a direitos fundamentais de terceiros, e no sistema pátrio esta Lei condiciona a prestação do serviço à autorização estatal em prol da manutenção da estabilidade social, do Estado de Direito e do controle estreito da atividade. A atividade de segurança privada não se confunde com o fato de qualquer um do povo poder prender em flagrante quem este- ja cometendo um delito, um direito que não se contesta. Não se admite, contudo, a pos- sibilidade de alguém exercer profissional- mente atividades parapoliciais sem nenhum controle do Estado. Note-se que qualquer