MATÉRIA DE CAPA
rança privada devem ser objeto de autori-
zação do Poder Público em todas as suas
formas, ainda que sem utilização de arma
de fogo. De fato, a Lei preconiza o contro-
le da atividade de segurança privada, in-
dependentemente do instrumento ou aces-
sório utilizado em serviço. O controle da
atividade de segurança privada, armada ou
não, é imprescindível, considerando que
os vigilantes, agindo em nome de particu-
lares, podem vir a restringir direitos funda-
mentais de outros cidadãos, inclusive com
o uso da força, para impedir a ocorrência
de crimes ou agir imediatamente após a
sua ocorrência. Evidente que o monopólio
do uso da força pertence somente ao Esta-
do e a quem por ele legalmente autorizado.
Note-se que o fundamento primordial para
o controle da atividade não é a utilização
ou não de armas de fogo, até porque os
postos armados não constituem a maio-
ria dos contratos, mas o fato de que o que
ocorre na prática é a constituição de forças
profissionais particulares de segurança,
agindo sob comando e para fins privados, e
isto evidentemente não pode ser permitido
se não for por força de Lei. A Lei 7.102/83
em nenhum momento confunde a utiliza-
ção de armas de fogo com o conceito da
atividade de segurança privada. Ao contrá-
rio, enquanto a definição é encontrada no
art. 10, o porte de arma surge apenas no
art. 19, II, e como um direito do vigilante
cujo exercício se dará a critério do contrato
de prestação de serviços (cabe ao cliente,
juntamente com a empresa especializada,
decidir se o posto de serviço será armado
ou não), não se tratando de uma obrigação
ou muito menos uma característica intrín-
seca da definição da atividade. Junto com o
porte de armas, aliás, estão outros direitos
como a utilização de uniforme a expensas
do empregador e o seguro de vida em gru-
po que, evidentemente, não interferem no
conceito da atividade e nunca geraram este
tipo de questionamento que se tem com as
armas de fogo. As armas, ademais, sempre
tiveram controle próprio, sendo desneces-
sária a própria existência da Lei da segu-
rança privada se a razão de sua existência
fosse apenas controlar o que já é controla-
do por outras leis.
Restringir o alcance da Lei e do Decreto
à segurança armada, além de ser contrá-
rio aos seus termos literais, sistemáticos e
teleológicos da norma, importa na legiti-
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Revista SESVESP
mação irrestrita da constituição de corpos
de segurança (ou gangues, ou milícias na
forma vedada pelo art. 5º, XVII da Consti-
tuição Federal) particulares com poder de
polícia para a “proteção do patrimônio”
– desde que estes não portassem armas de
fogo – e tudo sem qualquer controle.
O mesmo fundamento pelo qual se au-
toriza o funcionamento sem controle de
um diminuto corpo de seguranças pri-
vados pode e será sendo utilizado para
buscar a constituição de corpos maiores
e, se o Estado não mantiver o controle
restrito deste segmento, além dos funda-
mentos de ordem legal e constitucional
já mencionados, sua desagregação será
apenas questão de tempo e suas conse-
quências potencialmente graves, corren-
do-se o risco de se perder a distinção en-
tre o público e o privado na área de sua
influência. No entendimento da Polícia
Federal, não é possível que haja uma ca-
tegoria de profissionais que, à semelhan-
ça dos órgãos policiais, possa, ainda que
em situações determinadas, atuar coerci-
tivamente sobre a esfera de direitos fun-
damentais dos cidadãos absolutamente
à margem do controle do Estado, como
se fosse uma atividade econômica qual-
quer, sem esta peculiaridade. Reafirma-
-se que não são os instrumentos (armas,
cassetete, etc), que tornam a atividade
passível de controle, até porque as armas
de fogo e outros produtos controlados já
são controlados por leis específicas, mas
a essência da atividade em si, que cons-
titui exercício privado do poder de po-
lícia. Este posicionamento, aliás, já foi
submetido ao crivo do Ministério da Jus-
tiça, que ratificou o entendimento da Po-
lícia Federal através do Parecer nº 16/08/
GAB/CJ/MJ e do Despacho nº 182, de
19 de agosto de 2008, do Ministro da
Justiça. A propósito (grifou-se): “(...)
15. Verifica-se que o Ministério da Justi-
ça, por meio do Departamento de Polícia
Federal, consoante o que dispõe o artigo 32
do Decreto nº 89.056/83 é o órgão estatal
responsável para proceder à autorização
de funcionamento e fiscalizar as empresas
de vigilância.
16. A necessidade da aludida autoriza-
ção e fiscalização se dá, por óbvio, em
razão da atividade de segurança desem-
penhada pela empresa, complementar à
segurança pública, dever constitucional
do Estado. Por esta razão, deve-se bus-
car a orientação que melhor atenda o
interesse público, consubstanciado, na
espécie, na garantia ao tomador de ser-
viço de uma segurança qualificada nos
termos da regulamentação do setor.
17. Desta forma, o que importa para a
fiscalização do Ministério da Justiça,
por meio do Departamento de Polícia
Federal, não é o objeto social da empre-
sa, mas a atividade de segurança por ela
desempenhada. Registre-se que para os
conceitos de segurança privada é irrele-
vante a utilização de armas, não sendo
este equipamento essencial para a ca-
racterização do serviço.
18. Este entendimento é o que se extrai do
próprio texto do § 4º do artigo 10, que traz
a previsão de submissão das empresas que
tenham por objeto econômico atividade
diversa de segurança privada, mas que
utilizam quadro funcional próprio para o
exercício desta atividade.
19. Entender em sentido diverso seria ad-
mitir que a atuação do Ministério da Jus-
tiça na repressão à ilegalidade no âmbito
da segurança privada se limita à fiscaliza-
ção das empresas e pessoas que buscam
espontaneamente o seu cadastro e regula-
rização perante o órgão, ficando fora do
seu alcance as empresas que desprezam os
preceitos legais, bem como aquelas que,
embora possuam segurança própria, não
apresentem esta atividade como seu obje-
to. Com efeito, o afastamento da interven-
ção estatal nesse tipo de atividade seria
um grande incentivo à ilegalidade. (...)”
Em síntese, no entender da Polícia Fe-
deral é indispensável expressa previsão
legal para o exercício de atividades de
segurança por particulares, face à sua
inafastável natureza de potencial restri-
ção a direitos fundamentais de terceiros,
e no sistema pátrio esta Lei condiciona a
prestação do serviço à autorização estatal
em prol da manutenção da estabilidade
social, do Estado de Direito e do controle
estreito da atividade.
A atividade de segurança privada não se
confunde com o fato de qualquer um do
povo poder prender em flagrante quem este-
ja cometendo um delito, um direito que não
se contesta. Não se admite, contudo, a pos-
sibilidade de alguém exercer profissional-
mente atividades parapoliciais sem nenhum
controle do Estado. Note-se que qualquer