Revista Sesvesp Ed 140 | Page 21

CENÁRIO POLÍTICO OS DESAFIOS DO NOVO MANDATÁRIO DO PAÍS A SOCIEDADE BRASILEIRA FOI PREPARADA PARA UM PRESIDENCIALISMO IMPERIAL, DIZ ROBERTO ROMANO, PROFESSOR DE ÉTICA PÚBLICA DA UNICAMP M uito se fala do processo elei- toral de outubro, quem são os personagens, propostas candi- datos e planos de governo. A Revista SESVESP conversou com Roberto Romano da Silva, professor titular apo- sentado da cadeira de Ética e Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. O tema foi um pouco diverso que os notici- ários diários e se ateve sob a luz do que seria o país depois das eleições, quais os desafios do próximo governante, as rela- ções com o novo Congresso e as aspirações da sociedade. Confira abaixo o que disse Roberto Romano: “(...) nenhum candidato ou partido apresenta sequer um esboço de plano para o país, nenhum deles enfrenta ques- tões espinhosas como a do pacto federativo.” [Revista SESVESP] Dentro da perspectiva de pouca mudança no Congresso, pós-elei- ções, qual pode ser a relação do novo(a) presidente com as Casas Legislativas? [Roberto Romano] Caminhamos rapida- mente para uma crise inédita do Estado brasileiro. Todos os poderes seguem seu rumo para a ilegitimidade, ou seja, perdem a capacidade de ordenamento e comando. No final do governo Sarney, com a infla- ção descontrolada, tivemos algo similar no setor Executivo, em especial na presi- dência da república. Hoje a inflação está sob razoável controle, mas o desemprego e a fraqueza na produção industrial geram ao mesmo tempo ansiedade e medo, in- segurança, e descrença no poder público. O novo presidente estará no epicentro de uma generalizada perda de autoridade po- lítica. Como todos os partidos deixaram abandonaram sua essência, se reduziram a máquinas de captar votos e pouco mais, os eleitos para o Legislativo, com certeza, ou serão os mesmos que hoje são pessi- mamente avaliados pelos eleitores, ou se- rão iniciantes submetidos ao arbítrio dos “proprietários de partido”, ou seja, aque- les grupos que dirigem as agremiações há décadas, controlam o fundo partidário, as candidaturas, as alianças, os tratos com o Executivo. Assim, teremos o paroxismo da prática corrupta por excelência, a com- pra de votos pela presidência da república, para manter o presidente no cargo. Todos os candidatos conhecem tal regra nefasta e sabem que os supostos poderes do Pre- sidente são pagos com emendas, verbas, cargos. Além do mais, nenhum candidato ou partido apresenta sequer um esboço de plano para o país, nenhum deles enfrenta questões espinhosas como a do pacto fede- rativo. Teremos a continuidade do centra- lismo de impostos e das políticas públicas (saúde, educação, segurança entre outros), o que facilita de modo evidente a corrup- ção generalizada. O que assistimos hoje é apenas um prefácio da instabilidade e per- da de confiança, com a resultante perda de autoridade, do Estado. As consequências na sociedade serão graves. [RS] Pode-se dize r que deputados e sena- dores manterão uma agenda de ‘é dando que se recebe’? [RR] Sim, pois a relação entre os três po- deres se reduz a tal coisa. Mesmo os tra- tos da Justiça com os demais poderes são pautados por aquela prática “franciscana”. Regalias de juízes dependem do benepláci- to do Congresso e do Executivo. Em troca, não raro, decisões graves e prejudiciais à cidadania, são pronunciadas por tribunais, sobretudo os superiores. Os parlamenta- res, hoje, constituem verdadeiros lobbies a pretexto de defender causas. As chamadas bancadas operam como lobbies nos quais é impossível discriminar o que é próprio da atividade legislativa, dos atos próprios de lobbies. É por tal motivo que 11 projetos que regulamentam o lobby estão parados no Congresso. Os operadores do Estado, nos três poderes, se o lobby fosse normati- zado, precisariam escolher entre o manda- to e a atividade dos lobbies. É mais seguro para eles não escolher entre uma coisa ou outra, logo temos intacta uma fonte grave de “negociação “ semi clandestina. Note-se que tal prática enfraquece muito o elemen- to essencial de todo mercado, a concorrên- cia. Alguns interessados que pagam caro para que legisladores e administradores os privilegiem, vencem processos econô- micos. Os que não possuem tal proteção, perdem o acesso ao mercado. É um aspecto das mazelas brasileiras pouco discutido por analistas, imprensa, empresários, pelo me- nos em público. [RS] O Judiciário ganhou exposição e em- poderamento no encaminhamento de ques- tões que se confundem com o Legislativo. O senhor entende que poderá haver inge- rência entre poderes, sobretudo, do Judici- ário sobre as outras esferas de poder? [RR] Como disse acima, o Judiciário não está fora do jogo de pressão e troca com os demais poderes. Parte dele tenta, hoje, se afirmar como independente. Mas guardam algumas contradições. Juízes que coman- dam operações contra a corrupção, con- Revista SESVESP 21