CENÁRIO POLÍTICO
OS DESAFIOS DO NOVO MANDATÁRIO DO PAÍS
A SOCIEDADE BRASILEIRA FOI PREPARADA PARA UM PRESIDENCIALISMO IMPERIAL,
DIZ ROBERTO ROMANO, PROFESSOR DE ÉTICA PÚBLICA DA UNICAMP
M
uito se fala do processo elei-
toral de outubro, quem são os
personagens, propostas candi-
datos e planos de governo. A
Revista SESVESP conversou com Roberto
Romano da Silva, professor titular apo-
sentado da cadeira de Ética e Filosofia do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Estadual de Campinas. O
tema foi um pouco diverso que os notici-
ários diários e se ateve sob a luz do que
seria o país depois das eleições, quais os
desafios do próximo governante, as rela-
ções com o novo Congresso e as aspirações
da sociedade. Confira abaixo o que disse
Roberto Romano:
“(...) nenhum candidato ou
partido apresenta sequer um
esboço de plano para o país,
nenhum deles enfrenta ques-
tões espinhosas como a do
pacto federativo.”
[Revista SESVESP] Dentro da perspectiva
de pouca mudança no Congresso, pós-elei-
ções, qual pode ser a relação do novo(a)
presidente com as Casas Legislativas?
[Roberto Romano] Caminhamos rapida-
mente para uma crise inédita do Estado
brasileiro. Todos os poderes seguem seu
rumo para a ilegitimidade, ou seja, perdem
a capacidade de ordenamento e comando.
No final do governo Sarney, com a infla-
ção descontrolada, tivemos algo similar
no setor Executivo, em especial na presi-
dência da república. Hoje a inflação está
sob razoável controle, mas o desemprego
e a fraqueza na produção industrial geram
ao mesmo tempo ansiedade e medo, in-
segurança, e descrença no poder público.
O novo presidente estará no epicentro de
uma generalizada perda de autoridade po-
lítica. Como todos os partidos deixaram
abandonaram sua essência, se reduziram
a máquinas de captar votos e pouco mais,
os eleitos para o Legislativo, com certeza,
ou serão os mesmos que hoje são pessi-
mamente avaliados pelos eleitores, ou se-
rão iniciantes submetidos ao arbítrio dos
“proprietários de partido”, ou seja, aque-
les grupos que dirigem as agremiações há
décadas, controlam o fundo partidário, as
candidaturas, as alianças, os tratos com o
Executivo. Assim, teremos o paroxismo
da prática corrupta por excelência, a com-
pra de votos pela presidência da república,
para manter o presidente no cargo. Todos
os candidatos conhecem tal regra nefasta
e sabem que os supostos poderes do Pre-
sidente são pagos com emendas, verbas,
cargos. Além do mais, nenhum candidato
ou partido apresenta sequer um esboço de
plano para o país, nenhum deles enfrenta
questões espinhosas como a do pacto fede-
rativo. Teremos a continuidade do centra-
lismo de impostos e das políticas públicas
(saúde, educação, segurança entre outros),
o que facilita de modo evidente a corrup-
ção generalizada. O que assistimos hoje é
apenas um prefácio da instabilidade e per-
da de confiança, com a resultante perda de
autoridade, do Estado. As consequências
na sociedade serão graves.
[RS] Pode-se dize r que deputados e sena-
dores manterão uma agenda de ‘é dando
que se recebe’?
[RR] Sim, pois a relação entre os três po-
deres se reduz a tal coisa. Mesmo os tra-
tos da Justiça com os demais poderes são
pautados por aquela prática “franciscana”.
Regalias de juízes dependem do benepláci-
to do Congresso e do Executivo. Em troca,
não raro, decisões graves e prejudiciais à
cidadania, são pronunciadas por tribunais,
sobretudo os superiores. Os parlamenta-
res, hoje, constituem verdadeiros lobbies a
pretexto de defender causas. As chamadas
bancadas operam como lobbies nos quais é
impossível discriminar o que é próprio da
atividade legislativa, dos atos próprios de
lobbies. É por tal motivo que 11 projetos
que regulamentam o lobby estão parados
no Congresso. Os operadores do Estado,
nos três poderes, se o lobby fosse normati-
zado, precisariam escolher entre o manda-
to e a atividade dos lobbies. É mais seguro
para eles não escolher entre uma coisa ou
outra, logo temos intacta uma fonte grave
de “negociação “ semi clandestina. Note-se
que tal prática enfraquece muito o elemen-
to essencial de todo mercado, a concorrên-
cia. Alguns interessados que pagam caro
para que legisladores e administradores
os privilegiem, vencem processos econô-
micos. Os que não possuem tal proteção,
perdem o acesso ao mercado. É um aspecto
das mazelas brasileiras pouco discutido por
analistas, imprensa, empresários, pelo me-
nos em público.
[RS] O Judiciário ganhou exposição e em-
poderamento no encaminhamento de ques-
tões que se confundem com o Legislativo.
O senhor entende que poderá haver inge-
rência entre poderes, sobretudo, do Judici-
ário sobre as outras esferas de poder?
[RR] Como disse acima, o Judiciário não
está fora do jogo de pressão e troca com os
demais poderes. Parte dele tenta, hoje, se
afirmar como independente. Mas guardam
algumas contradições. Juízes que coman-
dam operações contra a corrupção, con-
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