Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - Edição Especial 01 | Page 9

LiteraLivre Edição Especial nº 1 as palavras dela queimando como brasa a pele de João: “João, você me desculpa? Você é o homem mais bonito desse mundo, João! Mas você é ninguém e eu nasci pra ser rainha!” João nunca mais viu Ritinha, que foi embora viver seu sonho de rainha. Afundado num tempo de angústias, João sobreviveu e se esqueceu do homem, do luxuoso carro branco e das palavras de brasa sopradas pela boca de Ritinha. Mas não pôde se esquecer dela, não soube se esquecer dela. E Ritinha ficou ali, guardada no fundo dos olhos de João, envolta nas plumas de um fabuloso carnaval, pairando sobre a face de todas as coisas. João está agora à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas, enquanto um último resto de madrugada se recolhe para detrás da carcunda das montanhas. E João a vê pela última vez. É ela. É Ritinha, no seu abundante corpo de mulata, que sobe à superfície do espelho d’água, requebrando as ancas no cerco dos admiradores. É ela. Cravada nos olhos de João, dançando em torno de João, buscando o corpo de João, naquele carnaval que não deveria ter fim. E João não quer mais suportar, porque a saudade, gota a gota, enche o peito de João. É ela. E João pensa que já não vale mais a pena, que aquilo já não é viver, é arrastar-se, arrastar-se para o nada, porque para ele só existe o nada. É ela. É somente ela. E João abre os braços, tal qual o Cristo Redentor sobre o Corcovado, e se atira na Lagoa Rodrigo de Freitas para morrer afogado. A morte de João Gostoso coube apertada numa curta notícia de Jornal. 4