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LiteraLivre Edição Especial nº 1
um facho de luz expulso do bar Vinte de Novembro, seu destino e seu fim. É
de lá que pulsa o sangue do samba.
O bar está em polvorosa, com grande azáfama de gentes. O samba, no seu
compasso cardíaco, perverte as pessoas, instala nelas um assanhamento de
fogo, de labareda, bulindo com elas por dentro, afrouxando nervos e músculos,
libertando dos corpos a malícia da carne. E muita pele suada de mulata
procura no corpo de João o seu cais, o seu desvelo, o seu descanso. E muito
braço de homem, risonho de safadezas, aperta o amigo João, abraça o parceiro
João. E muita boca de birita, melada de embriaguez, despeja na orelha de João
manhas e promessas de mulheres e camas. E os copos tilintam, erguidos na
luxúria do brinde. E o samba cresce, imenso, enorme, poderoso, grassando de
perna em perna a volúpia do seu veneno. João finalmente está entre os seus.
E entre os seus, João bebe, João canta, João dança, sem que ninguém perceba
a sua amargura infindável, a sua solidão medonha, abismo tão negro quanto a
sua pele, a sua tristeza de pedra, inabalável, presentes ofertados pela mão da
mulata Ritinha ao abandoná-lo na espessura das trevas. E a noite de então é a
noite de João!
Tudo tem seu fim: o amor tem seu fim, a noite tem seu fim, o samba tem seu
fim. E agora, após o rebuliço das pernas e o delírio dos copos, João Gostoso
caminha sozinho e atordoado na madrugada em declínio. Da banda do mar, um
clarão anuncia o parto da manhã de um dia azul. E João, homem feito de amor
e desesperança, sem saber um jeito de esquecer, não faz outra coisa senão
recordar... Ela, que já não tem mais nome; ela, que já não tem mais corpo;
ela, que já não tem mais voz... Ela, que agora, neste agora de João, é apenas
aquela que, em noite nefasta, ele viu descer de dentro de um luxuoso carro
branco, brilhante, como aqueles de Copacabana, toda ela vestida de claridade,
de anel reluzente no dedo, nos braços de um homem que a beijava e a cobria
com mãos de desejos. Aquilo foi como uma faca no coração de João! Depois,
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