Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 98

LiteraLivre n º 9 – Maio / Jun de 2018
ou trinta. A salvo e com a retirada planeada, Mauro deliciou-se com a magnificência e a sofisticação daquele espetáculo admirável. A potência e o fulgor das labaredas impressionavam. As chamas dançavam e insinuavam-se por entre os estáticos troncos. O calor começava também a atingi-lo. Em êxtase, abriu as calças e masturbou-se à vista daquela visão luxuriante. O fogo alastrava com rapidez. O orgasmo intenso, com o seu efeito de alheamento, quase o pôs em perigo. Desatou a correr, apanhou mais à frente o trilho que trouxera e em vinte minutos estava em casa. Essa foi uma noite em que Mauro não dormiu. Nem Mauro, nem os outros habitantes da aldeia. Em poucas horas, o fogo ganhou três quilómetros de frente. Pela manhã, o horizonte estava escondido por rolos de fumo negro e surgiram dois pequenos aviões de ataque a fogos a lançar grandes jorros de água sobre as chamas. Levantavam-se enormes nuvens de fumo branco. Parecia um cenário de guerra, ou, pelo menos, dos filmes de guerra. Pelo meio-dia, temeu-se que as chamas chegassem à aldeia. Houve ordem de evacuação, mas Mauro conhecia a região— foi instalar-se junto da ermida da Senhora do Alto, de onde podia continuar a presenciar o espetáculo das chamas e de todo o aparato para as combater. À tardinha, o fogo tinha ultrapassado a serra e mudado de concelho e todos puderam voltar a casa e contabilizar as perdas: quatro ou cinco palheiros ardidos, gados tresmalhados, muitos hectares de floresta queimados. O Telejornal mostrou uma reportagem do incêndio e, pela primeira vez, Lage Fundeira apareceu na televisão. Um ano depois, Mauro continua sem amigos, sem namorada e sem trabalho certo, mas não está muito decidido a incendiar a serra outra vez. A encosta negra está longe de lhe transmitir os apelos lúbricos que a floresta verde proporcionava. http:// vislumbresdamusa. blogspot. pt /
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