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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Horácio e Flor
Fernando Neneve
Cornélio Procópio/PR
Adoro Segundas-Feiras. Pode soar meio falso, eu sei, e inacreditável até, mas
fatos são fatos. Meus fins de semana são movimentados e tristes, pra se dizer o
mínimo. A quantidade de pessoas que morrem entre a noite de Sexta e a
madrugada de Domingo é impressionante... Não que ninguém morra nas
segundas, mas é diferente... Os jovens, geralmente, são maioria. A quantidade
deles que perdem a vida é lamentável, e as formas pelas quais isso acontece são
mais desoladoras ainda. Muitas das vezes que eu tenho de buscar um deles,
encontro-os sem entender o que está acontecendo.
Não foram poucos os que se assustaram com a minha chegada. Sentam-se no
chão ao lado de montes de ferro retorcidos, apoiam suas cabeças com suas
mãos, seus dedos entrelaçados sob seus cabelos... Alguns choram, outros olham
a esmo, como se aguardassem o despertar daquele pesadelo. Mas não vão. Já vi
alguns tentarem resgatar seus companheiros, ainda vivos, de dentro dos carros.
Nessas situações, muitas vezes, eu mal tenho tempo de levar um até a ponte e
já tenho de voltar pra buscar o outro, ou outros. Minha sorte, e perdoe-me caso
isso soe mórbido demais, é que estou em todos os lugares.
Outras vezes, e o que me deixa ainda mais desalentado, é ter de buscar alguém
em uma balada qualquer. É estranho observar alguém se observando estirado ao
chão. Lágrimas são corriqueiras, e se assustam quando eu chego. Eles não
entendem o que acaba de acontecer, na maioria dos casos. Alguns tentam
chamar a atenção das dezenas de curiosos que costumam se reunir em volta das
tragédias, mal sabem que é em vão. Não adianta gritar, acenar... Só eu posso vê-
los agora.
Quantas vezes eu já não entrei em casas de famílias pra buscar mulheres
assassinadas por seus companheiros? Mesmo não sendo emotivo, não consigo
ficar indiferente às muitas crianças desesperadas, ao lado dos cadáveres ainda
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