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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Fala do Instinto
Eduardo Jablonski
Santo Antônio da Patrulha/RS
Magda abre a porta, mas retorna: cansou da rua. Comeu nada o dia todo,
por isso cozinha. Pratos sofisticados é a melhor maneira de se acalmar. Quando
jovem, frequentou cursos de culinária, cozinha francesa, japonesa, tailandesa,
uruguaia. Mesmo não conhecendo idioma estrangeiro, enchia-se para dizer
Poisson. Ouve jazz enquanto prepara a refeição. Embala-se, as ondas cerebrais
flutuam. Não come demais porque tem planos. Deita-se, relaxa. Tinha brigado
com funcionário, discussão medonha. O sono dedilha o corpo. Cabelos soltos
respiram travesseiro. Faíscas de luz penetram as frestas. O seio empinado
provoca a medula de tudo. A excitação viaja, reivindicando. As batidas cardíacas
corcoveiam. Lembra as três noites desajeitadas, mas alucinantes com o
desconhecido, 15 anos mais novo. Não sabe se deve visitá-lo. Vinte e duas horas
respingam no relógio. Pega um livro. Não lê sequer uma linha, a respiração difícil.
Chovem cenas de braços, pernas, lençóis, movimento, agitação, cansaço, prazer.
No banheiro, o espelho desvenda o transtorno. Respira fundo, percebendo o
adocicado formigamento. Sim, terá de visitá-lo, mas a palavra proibido
perambula sorridente. Volta para a cama: impossível o sono. Concentra-se(?) nos
problemas do dia seguinte. Talvez conversasse com o desafeto? Demiti-lo seria o
mais acertado? A carne se aviva, o sangue inflama. O instinto fala. Não suporta a
espera, quer agir, desbravar. Ergue-se, abre a porta, quando o telefone grita:
- Oi, meu amorzinho, como é que tu vai? Tenho grande surpresa para ti.
Não precisei trabalhar hoje de noite. Que tal a gente jantar em lugar interessante
e pegar cineminha? Topa?
- Adoraria... – diz, fechando a porta com raiva e sentando no chão com
violência.
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