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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Escuro
Amanda Piazza
Florianópolis/SC
Era noite de névoa. Os galhos retorcidos em formas humanas balançavam
ao vento, emitindo fortes ruídos. As folhas voavam em redemoinho, e a lua,
cheia, era encoberta pela neblina cinzenta que obscurecia todo o cenário. A
caçamba de lixo se empanturrava com um banquete de gordos sacos pretos,
alguns itens soltos tomavam seu rumo naquela noite outonal. Ao longe, um vulto
branco manchava o lugar.
Os passos sobre as folhas secas marcavam o único sinal de vida. O vulto foi
pouco a pouco se transformando em rosto e uma mulher surgiu da neblina. Seus
cabelos castanhos embaraçados emolduravam um rosto pálido e um corte na
testa. Uma gota fina de sangue saía do machucado, pingando em seu vestido
branco. Dos dedos magros despontavam longas unhas, que agarravam um saco
de lixo.
Ela parou diante da caçamba e se sentou ao lado de uma das árvores.
Emitiu um longo suspiro, olhou para o céu e derramou algumas lágrimas
silenciosas. O vento alvoroçava seus cabelos e produzia ruídos no saco
depositado no colo da mulher, que se mantinha estática.
Passou as mãos no rosto, como que para secar as lágrimas, se levantou e
pegou o saco de lixo. Jogou-o na caçamba, virou a cabeça para os lados e voltou
pelo mesmo caminho que chegara.
Era noite de névoa. Os galhos retorcidos em formas humanas balançavam
ao vento, emitindo fortes ruídos. As folhas voavam em redemoinho, e a lua,
cheia, era encoberta pela neblina cinzenta que obscurecia todo o cenário. A
caçamba de lixo se empanturrava com um banquete de gordos sacos pretos.
Dentre eles, havia um jogado ali recentemente. Uma mãozinha carnuda aflorou
dele, e um choro infantil rompeu o ar enevoado.
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