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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
Abacate com Mel
Joedyr Bellas
São Gonçalo/RJ
Ontem à noite.
Arranca-rabo. O homem fora de si, no limite de sua coragem, gritara bem alto
para que a mulher fosse embora. Não aguentava mais. Sempre quieto, sempre
silencioso, sempre aceitando tudo, mas agora bastava.
Chega!
O dia seguinte.
A mulher com os olhos inchados, o homem orgulhoso de si saindo pro trabalho.
Trabalhou.
Incomodado.
Preocupado.
O homem subiu a escada atropelando os degraus.
De dois em dois.
Queria ainda encontrar a mulher em casa.
Falar poucas e boas.
Talvez, não tão poucas assim. Estava engasgado. As palavras, por anos e anos,
chegavam até na boca do homem, mas não saíam. Ele as engolia. Muita raiva,
muito ódio.
Rancor acumulado.
A mãe bem que avisara.
O pai bem que alertara.
Os amigos iam e vinham, entravam e saíam do apartamento, sem-cerimônia,
sem horário estipulado, sem serem sequer convidados. Que isso!? Onde nós
estamos? O homem pensava esbravejar, o homem pensava em se trancar na
dependência de empregada em forma de protesto, o homem pensava em berrar
e colocar todo mundo pra fora do apartamento. Todo mundo. Amigos, mulher,
aquele funk barulhento, aqueles vestidos arrochados que iam encurtando a cada
passo dela, aquela enxaqueca interminável, e até aquele poodle, que urinava
pela sala e ainda mordia o sofá onde o homem gostava de sentar.
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