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LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
A Mulher do Espelho
Maurício Requião
Salvador/BA
Assustou-se. Mas era apenas uma porta de vidro. Um reflexo trêmulo,
insuficiente para que ela saísse, mas que bastou para fazer seu coração disparar.
Além do mais, ela não conhecia a magia. Levaria anos até que conseguisse
compreender os rudimentos do que era preciso fazer para fugir.
Ainda assim, desde que conseguira sair do espelho, vivia em constante
tensão de que a outra a puxasse de volta. Anos a fio ela ficara escravizada.
Obrigada a imitar os movimentos daquela mulher. Os longos e longos momentos
de futilidade escovando o cabelo e admirando a própria beleza. Por detrás dela,
conseguia ver o sol brilhando e a vida acontecendo. Mas a mulher do mundo só
tinha olhos para ela mesma.
Logo que fez a troca tomou a providência de cobrir e depois despachar todos
os espelhos do apartamento. Isso não quer dizer que, mesmo com todo esforço,
tenha conseguido evitar qualquer encontro. Na rua, principalmente, havia mais
espelhos furtivos aguardando após cada esquina do que gostaria. A outra se
limitou a imitá-la, como agora deveria fazer. No fundo dos olhos da mulher que
estava no espelho, não pôde deixar de notar uma fagulha de ódio, fosse ele
verdadeiro ou imaginado.
Mas tudo aquilo ficaria no passado. Conseguira sua liberdade e não estava
disposta a perdê-la. Ajeitava uns últimos detalhes pendentes da vida da outra,
para não levantar suspeitas, e depois iria para o campo. Viveria entre as flores e
deitar-se-ia na relva verde, cabelo desgrenhado e sorriso no rosto, sem nenhum
espelho para lhe escravizar.
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