Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre 9ª edição | Page 22
LiteraLivre nº 9 – Maio/Jun de 2018
A Morte do Boi
Paulo Luís Ferreira
São Bernardo do Campo/SP
Numa manhã, ao lado do Mercado Municipal, na cidade de Carinhanha,
extremo norte do estado da Bahia, às margens do Rio São Francisco, presenciei a
cena brilhantemente iluminada pelo sol causticante do semiárido Sertão
Nordestino. No asfalto de paralelepípedo a quentura faiscava nas pedras. Ali iria
ocorrer o abate de um boi. Essa imagem brutal ficou guardado na memória e
registrado nesses rabiscos que agora transcrevo. É para isso que serve e deve se
escrever: seja relatando os esplendores da vida, seja delatando os estertores da
morte, da vida, do homem, do boi.
Assisti entorpecido o homem, de gestos secos e certeiros moldados a “arte”
de matar. Sua função, atingir num só golpe a nuca do animal. A faca-peixeira de
24 polegadas é tirada da bainha, afiada, capaz de cortar até o silêncio que se
estanca diante à morte. Num movimento largo e com destreza fia o vinco na
pedra mó.
Após o golpe o boi desmorona no chão, mas estrebucha e tenta resistir. A
respiração ofegante. Os olhos arregalados agora chora antes da paralisação
derradeira ao olhar o infinito que se esvai, ou para dentro de si como se fora o
espectador de sua própria morte. Aos poucos perdendo as forças, mas o brio da
vida ainda presente no corpo ferido, faz-se ainda vivo, e num último impulso e
ato de coragem tenta inutilmente se levantar. O homem se arma para o próximo
ataque, e agora com a destreza do gesto definitivo sangra a jugular do animal,
que não mais reage.
O sangue é amparado por um grande aguidal de barro, e como um exímio
cirurgião, o homem inicia a operação de retalhar o couro, desnudando o corpo do
boi, quando aparece, ainda quente a carne e seu tecido muscular à mostra e
ainda trêmulo pelos espasmos dos nervos vivos e das veias mortas. Em seguida
17