Revista LiteraLivre Revista LiteraLivre - 6ª edição | Page 102

LiteraLivre nº 6 – novembro de 2017 Pai, Te Escrevo Hilton Görresen Joinville/SC Eu estava no serviço quando o plantonista do hospital me ligou: – Sinto muito, mas seu pai não resistiu. Acabou de falecer. O velho estava internado há uns três dias com sintomas de fraqueza. Teve uma parada cardíaca. Juntei a papelada espalhada em cima da mesa, coloquei tudo na gaveta e fui avisar meu chefe que precisava sair. No hospital, me conduziram a um pavilhão anexo, amplo, silencioso, de paredes brancas. Em cima de uma maca estava o corpo do velho embrulhado como se fosse uma múmia. O funcionário tirou o pano do rosto e pude ver aquela imagem rígida, esbranquiçada, o bigode branco sobre uns lábios murchos, parecia uma estátua de mármore. Do rosto magro, ressaltavam as orelhas com pelos no interior. O corpo estava nu por baixo do tecido. O funcionário fez menção de tirar todo o pano, eu o detive. Ver o corpo nu de meu pai seria para ele humilhante; eu o sentiria menor, desprotegido, ali naquele espaço sem vida.Para falar alguma coisa, ele me disse o que mais se costuma ouvir nessas ocasiões: – Ele descansou. Foi-se embora de repente, sem sentir nada. Morte bonita. Liguei para uma funerária e tratei de tudo, depois contatei minha irmã no Paraná. Preparamos uma sala na frente da casa com ampla janela voltada para a calçada. A casa era baixa, geminada com outras. O telhado, de telhas coloniais entremeadas de tufos de mato, se derramava para frente. À tardinha trouxeram o caixão, que foi depositado na sala. Minha mãe, quando viu o corpo esticado, com as mãos brancas entrelaçadas, como se fossem moldadas em cera, quase desmaiou. – Ai, Epaminondas, o que houve com você? O que vai ser de mim agora? Uma vizinha lhe deu um comprimido para acalmá-la e a colocamos sentada numa poltrona. A velha permaneceu ali, estática, os olhos no vazio, um pé da sandália esquecido no chão à sua frente. Fui buscar minha irmã e os filhos na rodoviária. Na passagem, comprei pó de café, leite, pão e mortadela para os que iriam passar a noite no velório. O tio Juvêncio chegou falando alto, já havia tomado umas e outras no caminho. Irmão da mamãe, era excelente pessoa, mas não sabia enfrentar um 97